POEMAS E POESIAS, TROVAS E ODES

        ANTOLOGIA  DAS  ROSAS




As rosas foram, sempre, um assunto eleito das artes e das letras. Elas pompeiam nas torres das catedrais, depois de ornamentarem os templos do paganismo. E, nos versos ou nos primores da prosa, elas surgem em todas as épocas, como um tema imortal, imagem imperecível da beleza.
Inspiradora vitoriosa das manifestações estéticas humanas, a rosa atravessou séculos e acompanhou civilizações. Subiu aos salões  solenes dos palácios e desceu às mais humildes habitações do homem.
 Viveu sempre no ritmo dos versos e na cadência da prosa. Espelhou-se nas linhas fabulosas  das esculturas e nos coloridos efeitos da pintura. Concretizou-se nos brasões como um símbolo perene. Esvoaçou lendas como eterna inspiração da candura, da graça e da sutileza.
A rosa na poesia!
Que lindo livro nos poderia dar um poeta que desejasse realizar uma jardinagem maravilhosa através dos tempos e literaturas. Que fosse mergulhar entre as rosas de Saadi até as que imortalizaram o poemeto de Malherbe; as rosas de Garret até as  de Belmiro Braga; das rosas gregas de Filostrato, contadas por Eça de Queiroz até a rosa cujo espinho matou o poeta Rilke, o poeta que tanto e tão bem amou as rosas.
Quis, nesse trabalho, falar um pouco sobre a rainha das flores, contribuindo, humildemente, na divulgação  de  trabalhos célebres, nacionais e estrangeiros, em prosa e poesia sobre a rosa, flor maravilha que, como as estrelas, é o simbolo mais poético e costumeiro para lembrar  a beleza feminina, a graça da terra, a glorificação das artes e das letras e em todos os jardins e em todos os versos em que ela floresce como flor ou como uma lembrança de mulher.




                            ROSA

                                                      Afonso  Celso

Rosa colhida, sozinha,
Lindas rosas no jardim
 E nas faces também tinha
Duas rosas de carmim.

Cheguei-lhe e disse-lhe:
-Rosa, qual destas rosas me dás;
As de face primorosa
Ou essas que unindo estás?


Ela fitou-me, sorrindo,
Inda mais enrubesceu
Depois, ligeira,fugindo,
De longe me respondeu:

-Não dou as rosas das faces
Nem as que tenho nas mãos;
Daria se me estimasses,
As rosas do  coração!



                    ROSA  LOUCA
                                                                                          Afonso Schmidt


A Rosa Louca é a rosa mais singela
E de todas as rosas, a mais bela
Porque nasce nas cercas, nos caminhos
E conta menos flores do que espinhos.

A Rosa Luca é a rosa mais plebeia
Dentre todas as rosas, traz a ideia
A moçoila do bairro, tão bonita,
Com vestidos de cor, feitos de chita.




A Rosa Louca é a rosa que se olha
Sem na tirar do pé, porque desfolha;
Ela pede perdão por não ter graça.

Desponta, desabrocha, encanta... e passa.
Essas rosas são breves e são poucas
Como o riso feliz em nossas bocas...



                     ROSAS DENTRO DA NOITE

                                                                                         Barbara Norton





As rosas perfumadas,
As rosas vermelhas
Que me enviaste
Parecem de sangue,
Aspiro-lhe o perfume.
Parecem de carne.
As pétalas entreabertas vivem...
Fascinada,
As minhas mãos estendo
Tocando-as,
E nas minhas mãos
Desfolham-se...
Morrem de Amor
Longe das tuas...




                 Espinhos e Rosas
                                                                                              Bastos Tigre


Um pessimista vê que uma roseira
Tem, no meio das rosas, muito espinho...
Vai o otimista por igual caminho,
Mas...vê de outra maneira:
Entre os espinhos. frescas , perfumosas,
Vê lindas rosas!...



                            A ROSA 

                                                                                     Augusto  Gil


Ergo a vidraça à luz fulgente e amiga.
Colho uma rosa meio aberta e branca
Coloco-a em água, numa jarra antiga
E ponho a jarra sobre a minha banca;
Mal na mesa a coloco, dá-se um caso
Que é de gerar o mais  estranho enlevo:
A rosa, debruçada,sobre o vaso,
Vai perfumando e lendo o que eu escrevo.




               A MORTE  DAS  ROSAS

                                                     Pe. Antonio Tomaz


Nos canteiros orlados de verdura,
De mil gotas de orvalho umedecidas,
Cheias de viço e de perfume ungidas,
Desabrocham as rosas à ventura.

Mas a vida das rosas pouco dura,
E as míseras, em breve enlanguecidas,
A fronte curvam nos hostis pendidas,
Sob os raios do sol que além fulgura.




E vão largando as pétalas mimosas
Ao sopro mau dos vendavais infestos.
E os despojos finais tristes rosas

De cor vermelha, pelo chão tombados,
Fazem lembrar sanguinolentas restas
De pobres corações despedaçados.

                         A  ROSA
       
                                                                          Benedito de Almeida

A Rosa é feita de aurora
   É um sonho que se perdeu
     Pelos espaços outrora
       E aqui a Terra desceu!


                            COMPARAÇÃO
                                                                                    Belmiro Braga

Quando pelas débeis mãos te agarro
Lembram elas, nas, minhas, duas rosas
Alvíssimas, dobradas e cheirosas,
Dentro de um vaso rústico de barro...




                        AQUELA ROSA
                                                                                      Edmundo Lys




Viste florir aquela rosa um dia:
-Benditas sejas, ó maravilha!

E aquela rosa foi toda a alegria
De alguém que não conheces;
E seu perfume perfumou as mãos
De alguém que a colheu e não conheces...
Que teu sonho seja como aquela rosa...

                              ROSAS E VERSOS

                                                                                               Elóra Possolo

                                                                                          
Gosto de ter na minha sala rosas...
E dentre rosas ler os meus poetas.
São preferidas. s]ao as prediletas,
As que me colho nas manhã cheirosas!

As que às roseiras nas manhãs formosas,
Disputo eu mesmo às asas inquietas
Das inquietas, loucas borboletas.
Gosto de ter na minha sala rosas...

E entre meus livros e entre as minhas rosas,
Soltar meus sonhos pelo azul dispersos,
Num ruflo de asas leves, vaporosas...

Horas que passo assim, deliciosas!
Sentindo as rosas quais se fossem versos...
Sentindo os versos quais se fossem rosas!

Benedita de Melo, a doce e melancólica poetisa cega, assim confessou às rosas a sua ternura e lamentou não poder admirá-la em toda a sua beleza:


As rosas nascem, morrem, como nos
E talvez como nós tenham linguagem,
Falem ao sol, à abelha, à própria aragem.
Talvez seja o perfume a sua voz.

O botão sedutor, a flor após,
Toda a gente a render-lhe homenagem
Vida curta, um instante, uma passagem;
Por fim, ei-las no chão velhas e sós.

Rosas tiradas virgens das roseiras
Para o carcere branco das floreiras!
Viveram pouco para ser ditosas.

Quanto mistério! Quanta sutileza!
E dentro do meu ser, quanta tristeza
De nascer e viver sem ver as rosas!




                             A MULHER  E  A  ROSA

                                                                                                         Judas Isgorogota


Como rescende essa rosa
Toda orvalhada, orgulhosa,
 Em seu colo rosicler!...

Não sei de flor mais ditosa
Do que a dona dessa rosa,,,
Ai, que cheiro de mulher!...



Prefiro a essência sedosa
das rosas...
               - Que você quer?

Beije a dona dessa rosa...
Cheira à flor essa mulher!

                          NOSSA SENHORA E AS ROSAS

                                                                                                   LUIZ  CARLOS



Disse-me um dia, um velho ateu, sorrindo:
-Nossa Senhora se é uma só, por que há de
Haver, desfigurando-lhe a unidade
Tantas Nossas Senhoras! Era lindo

O dia. Em torno estavam colorindo
Um jardim, no esplendor da virgindade,
Rosas...e quantas! Que variedade!
Todas voltadas para o azul infindo...

Eu não lhe respondi. Mostrei-lhe apenas,
Aquelas rosas que, tão serenas,
Ainda me pareciam mais formosas.

E  velho ateu, vendo-as, em sã consciência,
Na forma várias, mais iguais na essência,
Viu que Nossa Senhora é como as rosas.









                                       ROSAS

                                                 Luiz  Pistarini

Há nesta vida cisas deliciosas!
Vi num jardim, Rosa a passear um dia:
Rosas nas mãos, rosas no colo, rosas
no cabelo que o sol resplandecia...

Nas lindas faces cândidas, mimosas,
Duas rosas também Rosa trazia:
As da saúde que são muito valisas,
E nos lábios de Rosa ainda se via,

Rosa que em duas pétalas graciosas
Num sorriso arcangelico se abria...
E assim, formosa entra as irmã formosas,

Não sei porque Rosa me parecia
Não Rosa só, mas um buque de rosas
Que falava, que andava e que sorria!




SEMEANDO  ROSAS, COLHENDO ESPINHOS
                                                   Belmiro  Braga


Vivi sonhando com manhãs radiosas,
Com bosques verdes, pássaros e ninhos.
E deu-me a vida noites tormentosas,
E deu-me campos mortos e aninhos.
Cinquenta anos eu vivi semeando rosas,
Cinquenta anos vivi colhendo espinhos!



                                                                                
              QUARTO MOTIVO DA ROSA 
  
                                               Cecilia Meireles                                                                                                                        Não te aflijas com a pétala que voa:
Também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verás, só de cinza franzida,
Mortas intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
Ao longe, o vento vai falando em mim.

E pr perder-me é que me vão lembrando,
Por desfolhar-me é que não tenho fim.   


                                                                                                                                                                                                               ROSAS                              
                          Alfonsus de Guimarães  



ROSAS DE JÁ FOSTES DESFOLHADAS    
POR MÃOS, TAMBÉM, QUE JÁ FORAM, ROSAS
SUAVES E TRISTES! ROSAS QUE AS AMADAS
MORTAS TAMBÉM, BEIJARAM SUSPIROSAS...

UMAS RUBRAS E VÃS, OUTRAS FANADAS
MAS CHEIAS DE CALOR DAS AMOROSAS...
SOIS AROMAS DE ALFOMBRAS SILENCIOSAS
ONDE DORMIAM TRANÇAS DESTRANÇADAS.

UMAS BRANCAS DA COR DAS POBRES FREIRAS
OUTRAS CHEIAS DE VIÇO E DE FRESCURA.
ROSAS PRIMEIRAS, ROSAS DERRADEIRAS!...

AI! QUEM MELHOR QUE VÓS, SE A DOR PERDURA
PRA COROAR-ME, ROSAS PASSAGEIRAS,
O SONHO QUE SE ESVAI NA DESVENTURA?                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 COQUETE DOS PRADOS 
                                                               Almeida Garrett




A ROSA É UMA FLOR
QUE INSPIRA A NÃO SENTE
O ENCANTO DO AMOR.

DE PURPURA A VESTEM
OS RAIOS DO SOL;
SUSPIRAM POR ELA
AIS DO ROUXINOL.   

E AS GALAS QUE TRAJA
NÃO AS AGRADECE
E O AMOR QUE ACENDE
NÃO O RECONHECE.

COQUETE DOS PRADOS
ROSA,LINDA FLOR,
PORQUE, SE NÃO SENTES,
INSPIRAS AMOR?         
                                                 

                                                                                                                                                                                                                                                                LENDAS  DAS  ROSAS  

                                                                            Alvaro Moreyra   



                                                                                                                                                   -" NÃO COLHAS ESSAS ROSAS,
AS ROSAS,  IRMÃS NA TERRA DAS ESTRELAS,
SÃO MAIS LINDAS NOS OLHOS QUE NA MÃO.
CONTENTA-TE COM VÊ-LAS.
DEIXA-AS NA HASTE
COR DE PÚRPURA E OURO.
SE AS COLHERES, AS ROSAS MORRERÃO'.

NÃO QUIS OUVIR O TEU AGOURO.
COLHI TODAS AS ROSAS QUE NASCERAM
NOS CAMINHOS POR ONDE ME LEVASTE
E AS ROSAS NÃO MORRERAM...
                                                                       





LEGENDA DA ROSA SOLITÁRIA

                                   HAROL DALTRO


SOBRE UM VASO DE CRISTAL,
UMA LINDA E ÚNICA ROSA ABERTA,
FICA ISOLADA A PERFUMAR MINHA SALA DESERTA...

EXISTE ALGUÉM, COMO ESSA FLOR, MUITO QUERIDA,
QUE ANDA, DE LONGE, A PERFUMAR A MINHA VIDA...







                                    QUADRAS

                                                                            Nilo Aparecida Pinto



Julguei existirem rosas
De quatro cores apenas...
Mas, ao ver-te, também vejo
Que existem rosas morenas...

           Maria, a quem dei uma rosa
          Chamou-me doido de amor.
          Que é mesmo coisa de doido
          Dar-se uma flor a outra flor.

  
           O SEPULCRO DA ROSA
                                             Victor Hugo




O Sepulcro diz à Rosa:
- Que fazes tu, flor mimosa,
do orvalho da alva manhã?
Diz a Rosa à Sepultura:
- Que fazes, feia negrura,
De tanta forma louçã?


- Negra tumba- segue a Rosa
Eu dessa água preciosa
Faço aroma que é só meu.
Diz-lhe a tumba com afagos:
- De cada corpo que trago
Ressurge um anjo no céu!





Nesse momento, vamos deixar de lado, um pouquinho, a Rainha das Flores e falar um pouco sobre a Poesia Lírica.
O marco inaugural do Arcadismo Brasileiro são as Obras poéticas de Claudio Manuel da Costa, publicadas em 1768.
 O poeta e inconfidente foi, sem sombra de dúvida, o primeiro tradutor documentado da Colônia: traduziu do italiano as peças dramáticas de Metastásio. Deve-se a ele, de igual forma, a Carta topográfica de Vila Rica, de 1758, o risco da Igreja de São Francisco de Vila Rica com sua inovadora torre em forma de guarita militar e uma das mais antigas obras da História sobre a Capitania de Minas Gerais. Tantas atividades diferentes denunciam por si só uma cultura condizente com o espirito iluminista da época.
Reconhecido como grande sonetista e o maior poeta pastoril em língua portuguesa do século XVIII, Claudio realiza um Arcadismo com traços de Barroco.Segundo alguns críticos, també prenuncia o Romantismo.


                          SONETO 47


Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco ! Já ferido
Do proceloso vento, e já batido
Do mar, que nele quebra a cada instante!

Não vi; nem hei de ver mais semelhante
Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Jamais pode fazer, que enternecido
Seu peito atenda às queixas de um amante.

Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,
Que vês nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia.

Mas que diversa é a tua natureza!
Dos contínuos excessos da porfia,
Recobras novo estímulo à fereza.



                                 SONETO 71

Eu cantei, não o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento,
Sem saber que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.



Que o amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento,
Inda agora de amor cantara atento
Se lhe não conhecera a aleivosia.

Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.

De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma é pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.

                         SONETO 14


Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado
No gênio dos pastor , o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Uma só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna que soçobre,
Aqui quanto se observa é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!


    
                            SONETO 13

Nise ? Nise? onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto ais  de encontra-te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira! 
Nise, cuido que diz; mas é mentira,
Nise, cuidei que ouvia, e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos de espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.

Nem ao menos o eco e responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?






                            SONETO 22

Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
E que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;

Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.


As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D'ânsia mortal a cópía derretida:

A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.


                          SONETO 94

Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turbado;
O céu, que estava limpo, e azulado,
Se vai escurecendo no horizonte.

Por que não haja horror, que não aponte
O agouro funestíssimo, e pesado,
Até de susto já não pasta o gado;
Nem uma voz e escuta em todo o monte.

Um raio de improviso na celeste
Região rebentou; um branco lírio
Da cor das violetas se reveste;

Será delírio! não, não é delírio.
Que é isto, pastor meu? Que anúncio é este?
Morreu Nise (ai de mim!), tudo é martírio.





UM POUCO SOBRE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA



Cláudio Manuel da Costa (Vila do Ribeirão do CarmoMinas Gerais5 de junho de 1729 — Vila RicaMinas Gerais4 de julho de 1789) foi um jurista e poeta do Brasil Colônia.
Destacou-se pela sua obra poética e pelo seu envolvimento na Inconfidência Mineira. Foi também advogado de prestígio, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e amigo do Aleijadinho, a quem teria possibilitado o acesso às bibliotecas clandestinas que seriam mais tarde apreendidas aos Inconfidentes.
Como poeta, transitou entre o Barroco - marca dos seus escritos de juventude, enquanto era estudante de Cânones na Universidade de Coimbra(1749) - e o Arcadismo - a partir do seu contato com o iluminismo, que concebia práticas mais racionais nas belas-letras.




Especula-se que tenha traduzido A Riqueza das Nações, de Adam Smith, para o português. Há quem afirme ter tido ligações com os Illuminati, sociedade secreta de cunho iluminista criada na Baviera e que teria influenciado inúmeras revoluções.


FONTES: Origem da Literatura Brasileira e formação da Identidade Nacional


            VICENTE  ALEIXANDRE

Poeta espanhol, nasceu em Sevilha no ano de 1898 e morreu em Madri, em 1984.
De inspiração surrealista e panteísta n início (A destruição ou o amor, 1933), sua poesia se abriu posteriormente para a modernidade (História do Coração, 1954) e à expressão da solidariedade humana (Diálogos do Conhecimento, 1974), Prêmio Nobel de 1977.


               OSWALD  DURAND


Poeta haitiano ( Cap- Haitien, 1840 - Port-au-Prince, 1906), autor de Risos e Lágrimas ( 1890), Quatro Poemas novos( 1899).
A mais conhecida de suas poesias é a paráfrase livre de Sara, A Banhista, de Victor Hugo, sob o título  Udaline.


                    POESIAS  SIMPLES



                               PÉROLAS  DIVINAS

                                                             L.LEE


Crianças são criaturas de Deus,
pequenos anjos na Terra,
carregando, nos olhos,
a bondade existente
em seus pequeninos corações.
Vieram até aqui
através das estrelas e
continuarão nessa viagem
enquanto o mundo for mundo,
pois, em algum lugar
desse imenso planeta,
deve existir um lugar, 
onde prevaleça o Amor, 
onde exista a Paz...
onde elas possam pousar e
viver em total tranquilidade,
nos ensinando lições de Fraternidade,
Pureza e Compreensão!
Ame as crianças!
Elas são as pérolas mais
preciosas do imenso
tesouro de Deus!


                               AGRADEÇA!




                                                                      l.LEE
Sempre que pensares 
em um dia ser pai...
Pensa
se ainda 
tu te lembras, amas
e respeitas
o teu pai!

E, não te esqueças:


Agradeças a Deus
por ainda,
teres um!


                         PERDIÇÃO




                                                                                                                                                                                                                   l.lEE    

Um lar sem amor é o mesmo
que um grão de areia
perdido no meio do deserto
imenso  e árido.

Torna-se escorregadio,
desolado, perigoso
e sem fortalezas.

Aonde seus habitantes
tornam-se semelhantes
às cobras e escorpiões!


                          POENTE




                                                                                                          l.lee

O sol,com seu manto  de púrpuras cores,
vai lentamente se escondendo
na linha curva do horizonte
enquanto a noite se aproxima apressada,
envolta no seu véu prata, um manto estrelado,
cintilante com os 
raios da lua.

Este instante inebriante da natureza
é o seu " momento da alma"!

Faça uma trégua na sua luta diária
e eleve o seu espírito
ao Divino criador,
num gesto de gratidão e confiança,
num gesto de humilde esperança
e deixe que a sua alma repouse no
Seu amoroso regaço,depositando
em Seus braços
as alegrias da sua vitoria
ou as tristezas das suas decepções!





                     CONTAGEM!

                                                      L.LEE


CONTE ATÉ DEZ, 
ANTES DE OFENDER ALGUÉM,
COM PALAVRAS CRUÉIS
OU IMPENSADOS GESTOS!

CONTE ATÉ DEZ,
ANTES DE PROVOCAR LÁGRIMAS
EM ROSTOS AONDE DEVERIAM
EXISTIR SÓ SORRISOS!

NÃO FAÇA COMO EU,
QUE NUNCA ME LEMBRO DE
CONTAR ATÉ DEZ
E DEPOIS, TENHO DE FICAR
CONTANDO ATÉ CEM,
TENTANDO APAGAR O REMORSO
QUE ADQUIRI
COM A MINHA ATITUDE TOLA
E INFELIZ!



                   MATERNAL

                                                                                        L.LEE



Minhas filhas:
Vocês não imaginam
o que sinto,
 ao tomá-las em meus braços,
ao carrega-las no colo...

É como se eu
estivesse abraçando a 
Felicidade,
acariciando a Doçura,
brincando com a Meiguice,
olhando para a Inocência
e me preparando,
para, um dia,
carregar a Saudade!


                                  DECLARAÇÃO

                                                                                                            J.D.Junior



Ficaras espantada, sou triste e solitário,
Ainda que não  pareça, vivo sempre angustiado
Tú não percebeste, então sou mesmo bom ator.
Irás compreender, porém não acreditarás...
Melhor para ti, não tentes compreender tanta dor!
Acho-te linda sorrindo, não deixes de sorrir jamais!

Mas, tu és feliz?
A mim, parece que si.
Receio, um dia, te magoar
Inda que isto não faça parte de mim
Ah! se isto acontecer, jamais irei me perdoar!

Porém, vivamos o presente, pois assim criaremos a eternidade.
Espera confiante e jamais sentiras saudade.
Recordar-te-á de todos os momentos felizes
E verás que o tempo passou
Mas ali estaremos nós, impassíveis...
Irás rir agora pensando que esta poesia é irreal...
Razões, talvez as tenha, é natural.
Ah! Um dia verás que nunca sentiste nenhuma dor
Então lhe perguntarei:
- Acreditas, meu amor?




E MAIS ROSAS...


              A ROSA DO SEU CABELO

                                                                               Camilo  Lima




Eu guardo... e com que desvelo!
A rosa murcha, mirrada,
Que eu pude apanhar na estrada
Caída de seu cabelo.

E ela guarda ainda o cheiro
- o mesmo! não mudou nada!-
Daquela trança dourada
Que lhe serviu de canteiro!





                          ROSA  SECA

Benedito  Cirilo



Vês esta rosa, velha, ressequida,
Que me ofertaste quando nos amamos?
Guardei-a com carinho, pois na vida
Faz recordar o amor que permutamos.

É uma lembrança pálida e sentida
Da vez primeira em que nós nos beijamos,
Daquela estrada branca e tão florida
Que tantas vezes juntos palmilhamos...

Guardei-a cm carinho. Sim, que importa?
É seca, é velha, é descorada e morta
Mas, é uma rosa e sempre será flor...

Assim o amor que no meu peito existe
Hei de guarda-lo; é desprezado e triste,
Mas nunca deixará de ser amor!



         OFERECENDO  ROSAS




Belmiro  Braga


Rosas felizes... Em breve
Hão de se ver estas rosas
Na jarra jaspe e neve
De vossas mãos tão formosas...

E s vossos olhos poisando
Na jarra linda e florida,
As minhas rosas vão dando
Perfume, calor e vida.

E, assim, não temem a garra
Do Tempo que as vidas trunca,
Porque, Senhora, e tal jarra
As flores não morrem nunca...



               NOITE  PERDIDA




Antonio  Feijó

Coitado do rouxinol!
Passou a noite ao relento,
do por ao nascer do sol,
Sem descansar um momento
Sempre a cantar, sem dormir,
Absorto no pensamento
De ver uma rosa florir...

Coitado do rouxinol!
Passou a noite ao relento, 
Do por  ao nascer do sol,
 sempre a cantar, sem dormir...
Mas o misero - coitado!
Cantando tão requebrado,
Com tal cuidado velou
Que adormeceu de cansado
E os olhos tristes cerrou
No minuto, no momento
em que ao luar e ao relento
 A rosa desabrochou!




                           LAS   ROSAS

JOSE MARIA VELA DE LA HUERTA




En el alborear del nuevo dia
y al sonor repique de campanas,
han brotado las rosas más tempranas
en un alarde de policromía.

Rjas rosas de amor - rosas profanas-
con el perfume de la paganía.
Blancas rosas de altar y Eucaristia
-corono de las virgens cristianas.-

Cada rosa nos dice de un amor:
es passión si en pecho va prendida,
o es plegaria en el passo del Señor.

Y aquella rosa, seca y escondida
en las hojas de un libro, es el dolor
que trae nostalgias de la propria vida...






              LA  ROSA  BLANCA

Jose  Marti





Cultivo una rosa blanca,
en julio com en enero,
para al amigo sincero
que me da su an franca.

Y para el cruel que e arranca
el corazón con que vivo,
carda ni ortiga cultivo:
cultivo la rosa blanca.




                       ROSA  BRANCA

Martins Fontes





São para o beijo as rosas incentivo,
Porque a ideia da boca nos desperta
A carnação de uma corola aberta,
Seja vermelha ou cor de rosa vivo...

Somente a rosa branca tal motivo
Não sugere, e da carne se liberta,
Mais parecendo uma lunaria oferta,
Pelo seu misticismo compassivo.

Tendo a palez da candorosidade
O dulçor de uma irmã de caridade,
Mesmo quando a contemplo me constranjo.

Soror Pureza, linda flor de neve,
Ninguém toca-la nunca ousou, de leve,
Pois ninguém beija o coração de um anjo!




              AS  ROSAS  DA  VIDA

Niége Vieira




Criança botão de rosa
De uma existência florida!
Uma eterna primavera
Na primavera da vida.

Menina- rosa entreaberta,
Para o mundo és uma flor.
Tens o perfume da rosa
Se as carícias do amor.




Mocidade - rosea rosa
Plena de vida e frescor,
Aberta na madrugada
Pra madrugada do amor.

Velhice- rosa fanada,
Sem perfume e sem frescor,
Pelo chão despetalada,
Sem vida, perfume e cor.




                     O LIRIO E A ROSA

                                                      Martins D'Alvarez




Certa manhã, linda rosa,
Muito vermelha e cheirosa,
Disse ao lírio cor de neve,
Na alegria do jardim:
-Por que será, lírio amado.
Que o vejo sempre ao meu lado,
Nos enterros e noivados,
Sempre juntinho de mim?

E o lírio, candidamente,
Disse à rosa, sorridente:
- É bem simples, linda amiga:
Sou a luz, você é a cor.
Somos o verso e o reverso
da medalha do universo.
Sou o Amor- alma da Vida...
Você, a vida do Amor!


                   O BARRO E A ROSA


Autor desconhecido - Tradução de José dos Reis Filho



Fábula persa conta o incidente
de um viajor que achou, casualmente,
pequenino torrão comum de argila
a rescender um tão suave aromas
que tudo ao seu redor o aspira e toma.
-" Que és tu?" -interroga em voz tranquila
o peregrino - " Alguma gema rara?"
Precioso nardo num disfarce rude
ou qualquer outra especiaria cara?"
-"Sou um bloco de barro sem virtude".
-"De onde vem, então, a fragrância preciosa?"
-"Se o segredo te digo,
meu amigo,
é que tenho morado com a rosa".
É linda esta parábola. Quão bom
se o que habita com a Rosa de Sarom,
-embora humilde, sem nenhum valor -
vai espargindo em volta o seu odor!.





                 AS  DUAS  ROSAS

         
                                            Ribeiro Tacques




Menina. Ao ver aquela flor humana
Ficava a gente como se sonhasse...
Uma boneca feita em porcelana,
Com uma rara rosa a florir em cada face.

Noiva. Vi-a uma vez - rosto risonho
Junto ao rosto do noivo- terna e langue.
Os seus olhos perdiam-se num sonho,
E as duas rosas tinham tons de sangue.

Esposa. Outros cuidados. Outro rumo...
A vida já não era um sonho brando...
As ilusões fugiam como fumo,
As duas rosas, breve, desbotando...
Mãe. Entre as duas filhas caminhava,
Com as brancas faces se nenhum desgosto,
É que, sorrindo, pelas mãos levava,
As duas lindas rosas do seu rosto.





       A  LENDA DAS  ROSAS

                                     Paulo  Gonçalves



Mal a aurora tingiu de purpura o levante
E afogou em orvalho as flores dos canteiros,
A Princesa saiu do seu castelo diante
Da guarda fiel dos seus lanceiros.

Eis que surge, porém, numa curva da estrada
As bruxas! Infernais, diabólicas, ferozes,
Elas saltarilhando, armavam na cilada
Originais metamorfoses.

Mas, ao poder do amor se realiza um milagre:
Por uma fada sempre há de ser protegida
A vida que na terra em voto se consagra
Inteiramente a uma outra vida.

E antes que a exaltação da essência venenosa
A fizesse tombar, inanimada e fria,
A Princesa tomou a forma de uma Rosa,
A única flor que não havia.

E evitando que as feiticeiras, de surpresa,
A pudesse poluir com halitos daninhos,
Os lanceiros então cercaram-na e defesa
E transformaram-se em espinhos.





             UMA  HISTÓRIA

                                            Casimiro  de  Abreu





A brisa dizia à rosa:
-"Dá, formosa,
Dá-me, linda o teu amor;
Deixa eu dormir no teu sei
Sem receio,
Sem receio, minha flor!

De tarde virei da selva
Sobre a relva
Os meus suspiros te dar
E de noite na corrente
Mansamente
Mansamente te embalar!"

E a rosa dizia à brisa:
-" Não precisa
Meu seio dos beijos teus;
Não te adoro...és inconstante...
Outro amante,
Outro amante nos sonhos meus!

Tu passas de noite e dia
Sem poesia
A repetir-me teus ais;
Não te adoro...quero o Norte
Que é mais forte.
Que é mais forte e eu amo mais!"

No outro dia a pobre rosa
o vaidosa
No hastil se debruçou;
Pobre dela ! Teve a morte
Porque o Norte,
Porque o Norte a desfolhou!...





                    A  ROSA

Casimiro  de  Abreu


Como ostentas sedução!
Oh! Como és bela e formosa,
Como é linda e caprichosa,
 Minha florinha mimosa
Em tão virginal botão!
Sobre as águas da corrente,
Que murmurava mansamente
Como te inclinas contente
Ao sopro da viração!
O teu perfume tão brando
Os ares embalsamando
De gozos me embriagando
Como fala ao coração!

Oh! Com falas de amor,
Mimosa, purpurea flor!
Mas eu não te colho, não!
Quando te vir outra vez,
Amanhã mesmo talvez
Já não inspires paixão
Com tua fronte inclinada
Com tuas folhas no chão!...

E eu direi: ela vivia...
Longa vida prometia
Essa rainha um dia;

Depois veio o furacão
E ali deixou-a caída
De suas galas despida,
Sem brilho, sem cor, sem vida!
-Uma rosa, uma ilusão...

















                         A  ROSA  AZUL


            Ansou Silva




Contou-me alguém, quando eu era pequeno,
A  história de um frade que plantara
No jardim do convento, em sitio ameno,
Uma semente de uma flor bem rara.

Era uma rosa azul, azul como turquesa,
A flor que tal semente produzia.
E  frade, na alegria da surpresa,
Pelo jardim trocara a confraria.

E ali, de corpo e espírito, voltado
Para a roseira azul dos seus anhelos,
Meses e anos passara enfeitiçado
A vigiar a flor de seus desvelos.

Até que um dia desmaiando a estrela
De sua eterna vida de esperança,
Levaram o frade para a triste cela
Onde entrou a chorar como criança:

" A minha rosa azul dos meus cuidados,
A minha rosa azul quem me dera vê-la!
E fecharia os olhos saciados
Da alegria sem par de conhece-la!"




Um monge que escutara  moribundo
Teceu com as suas mãos de caridade
Uma flor de papel azul-profundo,
Que fosse alívio a tanta ansiedade.

E pô-la na roseira, ao sol nascente,
Voltada para a cela do bom frade
Para que, vendo-a, ele morresse crente
Que a rosa azul era realidade.

E  torturado quando viu a rosa
- Mentira santa num papel talhada-
Fechou, sorrindo, a vista lacrimosa,
Pois vira a sua flor desabrochada.






                            Dona  Branca

Ou A Conquista dos Algarves, poema de Almeida Garret, em dez cantos e versos brancos, baseado nos amores da infanta D.Branca, filha de D.Afonso III e freira do Convento de Lorvão com  chefe sarraceno Aben- Afan, morto  durante o cerco dos portugueses à cidade de Silves, no Algarve.




                       PRESSENTIMENTO




Pressinto a tristeza do esquecimento!
Em um peito floresceu
O pálido rosal do desencanto.
Angústia cruel um coração oprime
mas não se redime
deste amor, que é dor, sorriso e pranto!

Vejo-te em sonho estremecendo
ao beijo de uma boca
que não é a minha!
Trêmula e fria desperto
e o claro dia
banha a minha angústia com seu riso louco.

Verdade? Pressentimento?
Quem pudera
como a azul quimera banhar de luz o coração humano?
Penetrar no mais fundo pensamento
e ali, por um momento
descortinar o misterioso oceano?

Pressinto a tristeza do esquecimento!
Em tua alma também já floresceu
o pálido rosal do desencanto?
Incerteza cruel meu coração oprime
mas não se redime
deste amor que é dor, sorriso e pranto!

                                                                              Léa. B. Souza
                                                                               15/08/1964

                                                        
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Vamos conhecer, em seguida, algumas das mais belas poesias publicadas no livro " Os Encantos da Mulher nua", onde estão reunidas as mais belas criações de vários autores brasileiros e estrangeiros?


                       A  NUVEM




As roupas deslaçando, entra no banho
A lânguida sultana enamorada:
livre do pente, os ombros nus lhe beija
A longa e fina trança desatada.

Atrás dos vidros o sultão espreita;
E consigo murmura: como é bela!
" Ninguém a vê, ninguém! o negro eunuco
Do harém na torre solitária vela"!

-Eu a vejo, uma nuvem lhe responde
Do sereno e alto azul iluminado:
_Vejo-lhe os seios nus, vejo-lhe o dorso,
_E o seu corpo de pérolas colmado.

Fez-se pálido Ahmed bem como a lua,
E erguendo o seu " kandjar" de folha rara,
Desce e apunhala a sua favorita...
Quanto à nuvem...no azul se dissipa...
                                                             Theófile Gauthier


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                      NA    ALCOVA





Conversemos aqui na alcova ao menos,
Da lâmpada de prata à luz serena:
Que diz ela tão baixo? Ouves? Uns trenos!
Não: _ ela canta : é uma cantilena.

E é para nós que ela gorjeia, Helena!
És um céu grande entre dois céus pequenos:
E a luz que vinha como o inseto à antena,
Mostra-me a concha, e dentro a branca Vênus.

Será? Estou junto a ti, eu não sei nada...
Antes, sei tudo: e tudo se resume
Num longo beijo em tua boca amada.

Sinto-me grande, etéreo, fluido...um nume!...
Eu morro...Olha, daqui à madrugada,
Estarei sepultado em teu perfume...

                                                                       Luiz Delfino


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O  BANHO  DAS  NINFAS

                                                                             José Maria de Herédia
                                                                                    ( poeta cubano)





Num canto da floresta escura e densa
Por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa
Sobre a água dependura o corpo inteiro.


Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
Dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
Que a nuvem de ouro do cabelo incensa!...

Lançam-se a nado as deusas em peleja
Mas de súbito rompendo os negros flancos
Do bosque, o olhar dum sátiro flameja...


E, nuas, elas trepam -se nos barrancos...
Tal à vista dum corvo que fareja
Debanda a multidão de cisnes brancos!




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                       S O N E T O

                                                                       Vicente de Carvalho


Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Tem a alvura do mármore, lascivas
formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por que? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em min te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

                                ...................................


               FILHAS  DO  MAR


                                                                   JUANA  BORRERO
                                                                   ( POETISA CUBANA)


Envoltas entre espumas diamantinas
que salpicam seus corpos rosados
pelos raios do sol iluminados,
surgem do mar, em grupos, as ondinas.

Cobrindo as espáduas peregrinas
misturam-se os cabelos borrifados
e ao rumor das ondas vão mesclados
os ecos das risadas argentinas.

Assim vivem contentes e felizes
entre o céu e o mar, regozijadas,
ignorando talvez que são formosas
e que as ondas, entre si rivais,
se entrechocam, de espumas coroadas,
por estreitar-lhe as formas virginais...





                           A  REDE

                                                                    André Rivoire
                                                                    ( poeta  francês)





Ao ronronar da rede preguiçosa,
Ela, _ morena de olhos de ouro, embala
A esbraseante volúpia que se exala
Dos seus vinte e dois anos cor de rosa.

Verão. O Sol se embriaga. Em plena orgia,
Fundem-se os cheiros cálidos da terra.
E a moça abre  o roupão, os olhos cerra,
E o que espera e deseja é fantasia...

E a rede para. A viração marinha
Beija-a, lânguida e longa, loucamente...
E ela, os olhos abrindo de repente,
Fica surpresa, por se ver sozinha!





                       AFRODITE

                                                                    Alberto de Oliveira





Móvel, festivo, trépido, arrolando
A clara voz, talvez, da turba iriada
Das sereias de cauda prateada
Que vão com o vento os carmes consertando.

O mar _ turquesa enorme, iluminada
Era, ao clamor das águas, murmurando
Como um bosque pagão de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.

As estrelas clarearam repentinas...
E logo as vagas são no verde plano
Toucadas de ouro e irradiações divinas...

O oceano estremece; abrem-se as brumas,
E ela aparece nua  à flor do oceano,
Coroada de um circulo de espumas!





                           CLEÓPATRA


                                                                  Albert Samain
                                                                  ( poeta francês)


Densa, a noite a pesar sobre o Nilo obscuro.
Cleópatra, arrebatada à luz fria e esplendente
Dos astros, afastando as servas, de repente
Rasga a veste num gesto impúdico e seguro...


De pé, no alto do terraço, a plástica imponente
Mostra cheia de amor como um fruto maduro!
Toda nua, ela vibra, ignívoma serpente,
Do vento ao morno beijo, alva, no cimo escuro.

Ela quer tenha o mundo esta noite o perfume
Da sua carne! e ao olhar fulge-lhe estranho lume...
_ Sombria flor do sexo esparsa no ar noturno; _

E a Esfinge, pelo areal do tédio taciturno,
Sente um fogo invadir-lhe o impassível granito,
_ E um frêmito percorre o deserto infinito...




SONETO NÚMERO 1

                                                             Octávio Mora


A amada tira a roupa, e em espuma
parece ter estado, porque é alva
de epiderme e paisagem: uma a uma
descobrimos belezas sem ressalva
e amamos nela o dia, que clareia
seus encantos recentes como as horas:
compreendemos o tempo, cuja areia
situa, como praias, as auroras
ao longo de seu corpo litorâneo:
penínsulas, seus seios se desprendem
para a frente, e o mar continua
para trás: as nádegas, de estranho
mar baías, são ondas e nos prendem
ao seu corpo tão leve que flutua.



           SONETO  NÚMERO 2


                                                            Octávio Mora


Ao seu corpo tão leve que flutua
dirigimo-nos nós eternamente
e o sol procura nela o continente
que todo mar promete, mas recua
para além de si mesmo; sem esforço
dominamos o ar, a tempestade
e ao começarmos a sentir saudade
de nós mesmos, achamos em seu dorso
de continente à vista, ao alcance,
país onde deitar nosso cansaço
e estímulo: seguimo-la, e é sua
a paisagem que despe de relance
nosso olhar: despe-a cada passo
mais somente deitada fica nua.



                         INTIMIDADE

                                                                          Baudelaire


Tu és um céu de outono, alegre e cor de rosa!
Mas a tristeza em mim, sombrio mar avança
E deixa, ao refletir, em minha boca ansiosa
De um lodo escuro e amargo a cáustica lembrança

A tua mão me afaga o peito; o que ela quer,
Minha amiga, é um lugar quem tem sido saqueado
Pela garra acerada e o dente da mulher:
Até meu coração também devorado.

Meu coração é templo onde a turba cultua
Todos os crimes vis e vícios degradantes!
_ Um perfume te envolve a pele branca e nua!...

Flagelo de minha alma, ó mulher, por que esperas?
Com teus olhos de fogo, archotes flamejantes,
Calcina o que sobrou do repasto das feras!



                              V E M

                                                          

                                                                      Artur Azevedo




Escrúpulos?... Escrúpulos!...Tolices!...
Corre aos meus braços! Vem! não tenhas pejo!
Traz teu beijo ao encontro do meu beijo,
E deixa-os lá dizer que isto é doidice!

Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?... Farias mal?...Quem disse?

Ora o dever! _ o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve...

Vem!...que o teu sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve
 E a outra vida melhor talvez não haja!


                             MODERAÇÃO

                                                                                    Paul Verlaine


Languidez, languidez! tem paciência, formosa!
Acalma esse febril e indômito desejo!
A amante deve ter, no embate mais sobejo,
o abandono da irmã, tímida e carinhosa...

Em teus afagos, pois, sê branda e langorosa,
Como do teu olhar o dormente lampejo,
que embora fementido, um prolongado beijo
vale mais que a expressão da carne luxuriosa.

Tu me dizes, porém, que no teu seio ardente,
ruge a fulva paixão, famulenta e bravia;
pois deixá-la rugir desenfreadamente!

A fronte em minha fronte e a mão na minha presa,
choremos, doce amor, até que venha o dia,
jurando o que amanhã negarás com certeza! 





             MULHER  PERDIDA

                                                                       André  Brun




Eu sou aquela triste comediante
Da farsa do desejo,
Que traz pregada ao lábio provocante
A mentira do beijo...

Eu sou a carne que em leilão se vende,
O torpe fingimento...
Sou esse amor que chama e que não prende
Nunca mais que um momento...

Eu sou aquela em cujo coração
Ninguém procura entrar
E que se esconde e busca a solidão
Para poder chorar...

Sou essa triste, misera e mesquinha
Que apenas mágoas tem,
De quem todo homem  diz : _ " Tu foste minha!"
E não é de ninguém...



            NOITE  DE  INSÔNIA

                                                             Emilio de Menezes


Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos, ambos nós, o peito contra o peito,
Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto,
Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito,
Mudou-se, para mim,num leito de Procusto!...

Louco e só! Desvairado! _ A noite vai sem termo
E estendendo, lá fora, as sombras augurais,
Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

E mal julgas, talvez, quando acaso  te vais,
Quanto me punge e corta o coração enfermo
Este horrível temor de que não voltes mais!...



                            ÊXTASE

                                                                       Luiz Edmundo





Hoje, que és minha e que em meus braços vejo
Teu corpo leve, róseo e perfumado,
Que a nota viva e ardente do meu beijo
Inda torna mais leve e mais rosado;

Hoje, que afogo ansioso o meu desejo
de vida, de ventura e de pecado
Na tua boca, a rir, e de sobejo
Sinto a ventura ideal de ser amado;

Hoje, que sinto a febre que te aquece
O coração e vem rosar-te as faces
No ardor que as almas novas estremece.

Penso, oh, assustada e trêmula andorinha!
Como eu penara se não me amasses,
Como eu sofrera se não fosses minha!




                                 N Ó S

                                                              Guilherme de Almeida




Espero-te, pensando: " Ela não tarda...
Prometeu-me: há de vir..." e com que aflitas
longas horas de angústias tu me agitas
o coração que, tímido, te aguarda!

E espero, tristes horas infinitas,
um momento de vida que retarda,
súbito irrompes, trêmula e galharda,
numa nuvem de rendas e fitas.

Vens a mim. Corro, tomo-te em meus braços,
e te estreito, estreitando mais os laços
do teu, do meu, do nossa grande amor.

E o teu beijo. e o meu beijo, e os nossos beijos
são mil rosas vermelhas de desejos,
na primavera do teu corpo em flor!




                                           ♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥




                            CANTIGA

Poema lírico, em geral, cantado, composto em redondilhas e dividido em estrofes iguais. Constituída por um mote e uma glosa, desenvolvidos usualmente em versos de sete sílabas, alternados com versos quebrados de três ou quatro sílabas, a cantiga foi a base da literatura portuguesa medieval.
A cantiga dividia-se em três gêneros principais>
-cantiga de amigo
-cantiga de amor
-cantiga de escárnio e maldizer.
Na primeira, o poeta falava por sua amada, como se esta lhe declarasse o seu amor. A unidade rimada é dada por pares de estrofes que dizem a mesma coisa, diferenciando-se apenas pela vogal tônica da palavra rimada. O último verso de cada estrofe repete o primeiro da estrofe  correspondente no par seguinte.O refrão segue cada verso.
Na cantiga de amor, o poeta expressa seus próprios sentimentos em relação à amada. De forte influência provençal, desenvolve o tema do amor cortês, dirigido a um objeto inacessível. Formalmente, caracteriza-se pelo refrão e pelo paralelismo, com repetição da mesma ideia em cada verso, variando as palavras e rimas.
As cantigas de escárnio e de maldizer são satíricas. Mas de maldizer, a crítica é direta. Nas de escárnio, o satirizado não é nomeado. Formam uma descrição muito rica dos costumes da época e um valioso documento cobre os estágios iniciais da língua portuguesa.
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IN MEMORIAM


Minha mãe adorava escrever. Era o seu passatempo favorito. E só depois de muitos anos após o seu falecimento que descobri o seu famoso cantinho de poesias, com trabalhos lindos, dela e de vários poetas que ela admirava e que mostravam tudo o que se passava em sua alma. Resolvi mostrar um pouco desse trabalho lindo aqui, pertinho de vocês. A alma de minha mãe, Léa Borges de Souza.


               TRANSFIGURAÇÃO

Este é apenas um caderno de rabiscos.
Banal... sem pretensões...
Aqui deixarei o que me passar pela cabeça
Esquecendo livros, regras,gramáticas, fórmulas.
Não gosto de falar de mim...
eu quero é sonhar, quando estou acordada à noite,
Sozinha e tudo em torno é quietude.
Parece que o que resta de puro e bom no mundo
Surge quando há silencio.
Ando em busca do meu sonho
E creio que em nós ou em parte alguma
está a Eternidade...
Amo a poesia, 
que prepara a redenção do mundo
derramando paz, calma e beleza sobre 
todas as coisas.
Quando se apodera de mim
esta espécie de " desespero calmo"
sinto a necessidade de passear
silenciosamente com a lua...
então desejaria que
o meu espírito possuísse mais amplitude,
tumulto, profundidade, movimento,
para poder cantar  todo o esplendor que a vida
espalhou pela terra e, como
criança eternamente esperançada
_ em certas horas de tristeza_
poder brincar com as coisas em que mais acredito.
Gostaria de escrever
palavras leves,como mãos que 
acariciassem  os cabelos
e,não sentir mais essa indecisão
de quem viaja e já não sabe mais
onde fica o caminho...
Mas não estou perdida...
Transfiguro-me dentro do meu sonho...
e se eu posso pensar e sentir,
então...eu vivo!


Ano: 1947

                  TROVA 1


Numa  desesperança acerba e louca
Nos olhos hoje a lágrimas estanco,
Mas elas correm sem que as veja o mundo
Sob a forma de risos, pela boca...

                  DIVAGAÇÕES


Há dias em que eu desejaria voltar
Não sei de onde,
Simplesmente voltar...
De qualquer lugar...
Há dias assim...
em que eu desejaria chegar...
De um lugar qualquer
Para algum coração,
Só pela alegria de rever,
de reencontrar a existência
Renascendo ao milagre da separação...

Há dias assim
em que eu desejaria voltar...voltar
como  quem vem do fim
para principiar...


               PROCURA

Difícil é achar-me
dispersa me encontro
na face das coisas
que chegam, que passam...
Quem sabe onde estou?
Talvez passe junto de mim mesma...
Quem sabe?
Me falo e me respondo.
Não me reconheço!
E...
Vou seguindo meu caminho
a procurar-me...
Me encontrarei?
Quem sabe?...

Ano: 1948
          DOR NA ALMA


Tarde cinzenta... Tarde tão fria!
Em tudo ronda esta melancolia
Que vem dos ares e penetra em nós.
Não tem o ruído da chuva
A bater sobre a vidraça...
Nem sequer o vento passa.

E as horas lentas...compridas
Como o fio de um retrós...

Tudo é neblina e tristeza,
Paira em tudo a incerteza
Dos momentos a seguir...
E a minha alma indecisa
Vaga à toa no abandono...
Tal como as folhas do outono...
Sem destino...sem provir...

 Ano: 1950

                      ENFERMA


Estou gravemente doente...
Preciso procurar um médico
Embora eu possa diagnosticar a doença:
" Indolência do coração"
no último grau.
Morte por melancolia.

Pensando melhor...
não preciso de médico.
Passei um telegrama à Primavera:
_" Venha urgente.Talvez
não me encontre mais"_
Bem! Não é tanto por mim,
mas não quero que ela 
fique depois me procurando
por aí como uma louca...

Ano: 1950


                    NATAL


Cristo, é dezembro, é vinte e quatro,
é a hora
De desceres à Terra novamente.
Vinde que, pelo mundo, toda gente
Sofre, padece e desespera e chora!

É vinte e quatro de dezembro. Agora
Uma esperança cálida e dolente
Ressurge no horizonte, lá na frente,
Como um frouxel esplêndido da aurora...

Não tardeis não! Quebrai do mundo o açoite!
Ainda falta para meia noite,
Mas vinde, não vos demoreis demais!

Nascei, Jesus, rebento de Maria!
Não espereis, Senhor, desponte o dia
Que Vós sois este dia que esperais!

Dezembro 1950




               ANIVERSÁRIO


Hoje  o dia amanheceu mais radioso.
O azul do céu tem transparências luminosas.
As árvores, os pássaros, as flores
cantam um hino em louvor
à beleza e a natureza sorri
como um convite a vida.

Porque será que a
minha alma chora?


                       05 de abril de 1951
                       Dia do seu aniversário



               VINTE  ANOS


Meus vinte anos, parai!
Que tolo pensamento!
Que estais a fazer,
nesse afã de ir embora?
Julgais-me boba!
Pensais em ir assim,
fugindo impunimente,
Mundo afora, 
Como voa a rola,
Como passa o vento?
Dai trabalho a mente!
Então, o que vos fiz?
Enfeite-vos de sonhos,
Enfeite-vos demais,
 com vestidos bonitos!
E agora a ingratidão
que tendes é inaudita!
Nem ouvis os meus gritos!
Parai na vossa fuga irrefletida!

Versos risonhos...
Lestes comigo...
Sonatas tão sutis, cheias de vida,
Entoamos com viço!
Quereis brincar, por certo, de inimigo...
Mas não gosto do brinquedo...
Eu tenho medo!
Parai com isso!


Ano: 1951


              SEPARAÇÃO



Vês?  
És infeliz, meu amigo?
Quebraste nos lábios
a taça antiga do prazer que bebias.
É sempre o vazio que vem...
Caem teus olhos no chão.
Tua alma se perde do antigo voo
que desejava dar.
Solidão...silencio oco!
Teus olhos não veem,
olham e não sentem.
Andas e não sabes para onde,
perdido,
numa rua perdida...espírito roto
como o resto do
Adeus...




                           EU



Eu sou aquilo exato que não fora
Se fosse o que quisera poder ser.
ser bem mais real, ser menos sonhadora,
Para sentir direito o que é viver!


Passa-se o tempo e o que serei?...serei
isto que fui sem ser, sem ter podido?
Feliz eu fora e muito mais que um rei,
Se fosse agora o que sonhei ter sido.

Ser o que sou é menos que se fosse
O que pensara ser, ânsia incendida:
Mais forte a luta e mais parece doce!

Eu sonho tanto o sonho que passou
que chego a crer que vivo uma outra vida,
Que sou precisamente o que não sou!

Eu sempre foi alma.
Andei por aí num roteiro com gosto de céu,
sem ser cativa, pintada de estrelas.


                  HOJE




Eu hoje não sou...
O hoje é o nunca mais...
o hoje que se perde sempre...
O hoje é gesto de cativeiro,falido,
impotente, prisioneiro...
mas dentro eu tenho uma alma
que chora o ontem que foi sonho poema...
o hoje que é nunca mais...

Que estranha neblina se interpôs entre nós,
No sorriso que mente, na ilusão que empobrece...
Preso o sonho é o tropeço de sempre:
passamos da angústia muda  à lágrima corrida...

Uma estrela chama e nós choramos da distância, 
as asas cortadas, a importância de alcançá-la!
E é tão bom, às vezes, não ser humana!
Ser só alam...quem sabe?
Ser nuvem; poder ver de perto os anjos
que não caíram e a luz de um cometa
que deixa um rastro no  céu!

Ontem eu era...hoje...que importa?
Minha voz é inútil ante o universo que fala.
Silêncio...castigo da alma que ninguém conhece...
Eu vago numa esquina, trazendo na mão uma lágrima,
 à procura de uma rua...
Qual o nome da minha rua?
Toda a rua do sonho tem um nome
que a gente esquece...


Vejo tudo misturado
com os olhos da alma:
uma estrada quieta, um campanário,
poeiras de ausência, um lago azul,
um cisne e milhares de estrelas nos castiçais
do Infinito...


O vazio e a vida num confete de esperança!
Será isto loucura?
Ah, se eu pudesse!
Dentro da noite iluminada de orvalho, ajoelhar-me
entre as estrelas e rezar!
Mas tenho as asas partidas e,
perdido no tempo, o meu grito
nada mais é que um céu tristonho...
Saudade...ternura antiga...
quase esquecida!











                               AMANDO

1951




Enquanto a chuva cai devagarinho
Na folhagem, lá fora, e o vento canta,
Dizendo um madrigal a cada planta,
Despetalando flores no caminho,

Eu vou contar, contar muito baixinho,
Este segredo que me enleva e encanta,
Que estou sempre afogando na garganta,
E é todo uma cantiga de carinho...

Eu vou te contar: - Estou te amando agora!
(Está chovendo...Uma goteira chora
Numa tristeza vã, desconsolada...)

_ Estou te amando! As minhas mãos aquece;
Quero-as postas nas tuas, como em prece,
Numa carícia longa e apaixonada!


                      CANÇÃO

1951




Vento que passas desfolhando as rosas,
As pétalas levando fenecidas,
Rosas vermelhas, brancas, lacrimosas,
Tristíssimas amantes esquecidas...

Vento que as deixas mortas ou feridas,
Depois de as teres vivas e ardorosas,
Quero as rosas tombadas e perdidas
Que em noites negras com teu beijo esposas...

As princesas que, pálidas, arrancas,
Impetuoso e bárbaro, dos ramos,
Eu quero que com elas tu me cubras...

Que eu amo as rosas líricas e brancas,
Eu amo as rosas cor de rosa e amo
Apaixonadamente as rosas rubras!





               DESENHO DO SITIO




A porteira... O cachorro... Os três degraus...
A casa... O gado...Os pássaros... Os coelhos...
Os limões-cravo como estão vermelhos !
Mingau de aveia, o mago dos mingáus...

Leite... O curral...A estrada...A ponte...O rio...
A construção...Os porcos...O cabrito...
Puxa! Que azar! Está que é só mosquito!
Manhã...Vou dormir mais...Morro de frio...

Cadeira ao sol... Os livros...As novelas...
Cigarro...Anotações...As cascas amarelas...
Que galinha bonita apareceu!

Retrato e mais retrato...Tarde linda!
Descamba o sol, um dia a mais se finda...
Pode entrar, Dona Lua! O sitio é seu!

Escrito em 1951...retrato do sitio de meus avós na cidade de Cantagalo, RJ...



                   L U A R

1951


A lua no meu quarto entra e flutua,
Penetrando a janela, à noite aberta;
E passo as noites toda descoberta...
Coberta apenas pela luz da lua...

Sob a camisa leve, a pele sua...
E sob o seio nú, a alma deserta,
Insone, a noite toda passa aberta,
E em vãos desejos, palpitante estúa!

Quietude fora! O céu todo estrelado
O silencio noturno, angustiado,
Fluídico, as coisas todas a enlaçar.

E os eucaliptos, velhos e grisalhos, 
Levantam fascinados os seus galhos,
à suavidade mística do luar...
    

               ATREVIMENTO




Lua linda e faceira, a espreitar-me da altura,
Porque razão te pões a olhar-me embevecida?
Se não tens que fazer, um trabalho procura!
Porque não tratas só, mas só, da tua vida?

Teu raio iluminado invoca-me a tortura.
Que a lâmpada do amor está em mim partida;
 a trava da saudade e o anseio da ventura
odeiam-te demais, esplêndida e atrevida!

és cúmplice do amor e cúmplice do sonho.
Não mais te quero ver, disco mau, enfadonho,
Nunca mais, nunca mais, lua pálida e bela!

Para de rir de mim, vira para o outro lado!
Esconde o lume teu _ fantasma do passado _
Ou fechas teu olhar ou fecho-te a janela!

Nysa Maggessi Trindade



                       NOTURNO

A noite cai, silenciosa,
Sozinha penso.
As mãos erguidas, num gesto tenso,
Seguro a fronte,como a prende-la
No sonho leve que se adelgaça...

Pela janela, entre a vidraça,
Espio o céu. Nem uma estrela!
Névoa pesada...Nuvens trevosas
Tornam mais densa a escuridão.

Pela janela, entre a vidraça,
Espio o céu. Nem uma estrela!
Névoa pesada...nuvens trevosas
Tornam mais densa a escuridão.
Nem uma aragem por entre as rosas.
Nem uma luz no meu coração!
No entanto há pouco
Eu ainda ouvia
Ao longe a música de uma sonata!
Os sons vibrava, em melodia,
E, pelos ares, quanta harmonia
Que se desata por sobre os campos
no pisca-pisca dos pirilampos,
E no murmúrio de uma cascata!
Porém, agora, nada mais vibra.
Tudo é silêncio...sem colorido.
Para o negrume por sobre a terra.
Paira a tristeza em redor de mim.
Sobre o roteiro negro do olvido
Minha alma inerte, sozinha,erra
Enquanto espera da noite...o fim!


                            T A L V E Z


Talvez eu tenha que ser assim,sem
pouso(certo), sem lugar onde encostar
o rosto.
Talvez eu tenha marcado um encontro na distância...
Talvez o ar venha acariciar os meus ouvidos 
e me ensine onde está
o caminho que os meus passos buscam...
Talvez uma estrela.....aquela estrela...
com seu brilho distante venha ao meu encontro
como um simbolo...
Talvez as minhas palavras gostem do silencio do olhar da noite...
Talvez eu traga o pecado na carne e um cisne
dentro da ama.
Eu sei que a verdade parece um sonho e talvez
eu me hipnotize de sonhos...
Talvez eu esteja orando e uma nuvem branca
faça cair um véu sobre os meus pensamentos...
Gosto da pureza, da boca que não mente, 
da humildade que se esconde no sorriso que perdoa...
Não importa o silencio do tempo sobre o
meu corpo...
é de silencio que os meus versos esticados precisam;
de quietude e paz que minha alma anseia!
Talvez eu esteja louca...
Talvez!


              QUEM SOU  EU?

Afinal, quem sou eu?
Voz destronada com respingos de saudade?
Talvez uma montanha branca,
noiva do espaço, vestida de nuvens
 e com flores de neves caindo aos pés...

Quem sabe eu sou do Tempo?
A forma destrói a Ideia...
Qual a Ideia que sendo escrava
não é um pecado?
Somos apenas o que o coração afirma.
Gosto de versos claros, livres,
que me espirito absorve submisso e iluminado...


Um beijo de mãe, pedaço da alma solta
no momento da verdade...
Um gesto amigo, um abraço fraternal
de equilíbrio e perdão subindo ao céu...
Ando como que flutuando entre
os montes, onde os ventos  me contam tudo
o que é belo...
Caminham meus passos de penas sobre as nuvens
e vou ao encontro do Infinito,
como música solta num voo boêmio
sem principio de estrada
sem final de abismo,
no milagre da noite
vestindo estrelas e acenando
poeiras de luz...!

(Não sei...Será o meu tempo do Amor?)
Coloquei num lugar qualquer
 a minha alma para repousar..
Numa caixinha de música,
num jardim ou talvez
num sonho feito 
as harpas dos anjos...


                         M A S ...



Mas... e se não vier a Primavera?
Se o sol, a vida, a minha mocidade
não voltar e eu permanecer à espera
inutilmente, da Felicidade?

Falo ao silencio e à noite.
E ao que está por perto de mim,
a tudo o que me vê 
perguntando por ti.
_Que fazes? Onde estás?...Então
Do meu cigarro um rolo de fumaça
Solta-se, sobe e baila
e se adelgaça
formando um ponto de interrogação...!

                  SENTIMENTOS


Criei-me no sonho.
Assim eu fui, assim o sou...
Serei assim.
Deito os cabelos num ninho
e sinto os pássaros cantarem
nos meus pensamentos.
Deixo a bruma cobrir o meu corpo como
um véu muito branco
e, pela minha janela
olho no céu miçangas de estrelas
que são como reticências de poemas...
Acordada...sonho...
Sonho às vezes também é dor,
mas acima de tudo é esperança.
É a lágrima da procura, cabelos despenteados
numa testa sonhadora...
O azul é meu porque é  a cor do céu,
das ilusões e o
grito de mim mesma!
A inocência da flor, da borboleta,
das campinas, tudo isto é um pouco da gente
 quanto temos a alma banhada de luz.
Eu tenho a alma limpa quando vejo o voo do pássaro...livre,
sempre livre,
na asa da manhã em busca do infinito.
Luz, canto, céu, estrelas, beijo e fé
somos nós dentro do Tempo...
e esse tempo não tem fim
porque a alma não tem um minuto
de prisão na sua viagem pela eternidade
da Esperança...
Esperança que é como uma pomba branca
roçando o coração;
branca porque também é paz
e que não chora porque sabe amar
seguindo o caminho das estrelas...
derramando-se em luz...



                    ENGAIOLADA

Abro a janela da minha alma e 
debruço-me sobre os meus pensamentos...
Ouço música em surdina e, aos poucos,
se aviva essa imperceptível imagem que dança
na água trêmula da memória.
O mundo em silêncio.
A vida suspensa.
Esta é a hora boa para colecionar lembranças...
Ternamente, carinhosamente
as vou reunindo uma a uma...
depois, todas juntas, quanta tristeza!
Da remota infância, simples e triste
como a de um pássaro cativo,
chega devagar um sussurro...
Pobre ave engaiolada
sempre se debatendo ansiosa por luz
sol e liberdade, embora
sabendo inúteis seus esforços,pensa:
_"Ainda que não se possa atingir o cume
é belo tentar escalar a montanha"!

Os anos se passaram, o pássaro cresceu...
a montanha continuou distante 
toda coroada de azul, numa tentação
cada vez mais forte.

A porta da gaiola foi aberta, mas...
curioso...
eu não me sentia mais um pássaro...
passei a ser uma boneca  a quem
tivessem partido a corda...
Noites de insonia, sobressaltos...
um vazio enorme ao redor de mim...
Que saudade engraçada e comovida
da antiga gaiola!



                   INSPIRAÇÃO

A vida tem brancuras de rosas, mas não
para mim que trago o corpo e a alma
mutilados com angústias e conflitos...

Estranha tu não és para mim, pois conheço
todos os golpes teus, todas as cicatrizes
que deixas na alma humana e, muitas vezes desço
_ curiosa_ a sondar em mim tuas raízes.

Do sonho e do prazer tu és o eterno avesso;
e na terra nãoo há lugar onde não pises...
Nunca tardas em vir, e és sempre aquele preço
que nos custam na vida os momentos felizes.

Assomaste no caos na primeira alvorada,
e do homem te tornaste a sombra indesejada
passo a passo a segui-lo, injuriada e malquista;

Chamam-te Dor! Palavra amarga e pequenina!
E foste, és e serás a suprema, a divina
fonte de inspiração do verdadeiro artista!


                     PRANTO


O que tem sido para mim a Vida?
Apenas um caminho estreito. Ando, mas tropeço e caio...
As pedras do chão ferem.

De onde eu vim?
Onde o final do caminho?
Recomeço a caminhada...o joelho que dsangra,
a boca que amarga.

Lembranças indo e vindo com o tempo fechado.
Tudo tão frio...céu nevoento...
Onde estão as estrelas?

Isto é a Vida? Então eu prefiro o sonho...
onde a cabeça é alta na alma da gente...
onde há ternura, carícia;
onde se ri melhor;
onde os caminhos são pintados de rosas
e resteas de lua.
Onde tudo é perdão concedido à própria Vida.
Onde eu sou tudo:pássaros e flores,
música e poesia.
Onde tudo é ressurreição,
onde tudo é livre,
onde tudo é bondade!

Que importa a sombra do pranto escondida na alma?



                        INTERIOR


Meditação é voz sem dono...
mas eu quero fala de amor!

Há sempre alguém dentro da gente...
um mundo qualquer,
uma ilusão qualquer...

uma palavra de amor mentirosa
que a gente implora
que seja verdade!


                      SUAVE   POEMA




Se a luz do meu amor não te deslumbra...
Se sou ardente e tu me queres calma,
Faço dos olhos lagos em penumbra,
Sonhando neles refletir tua alma...

Se em meu amor de fogo não te abrasas,
Se me preferes menos viva e louca,
Aquieto as mãos, onde me fremem asas,
E cerro docemente a minha boca...


 Se não queres que eu cante da alegria
Que sinto mais que todas as mulheres,
Serei indiferente e serei fria;
Serei calada e triste, se quiseres.

Se meu riso nervoso não te encanta,
Se te cansa a ventura assim ruidosa,
Nunca mais me rirei...e a voz que canta
Morrerá nos meus lábios, silenciosa...

se me queres estática, parada,
Pedra a que nada fere e nada atinge,
Serei a tua calma namorada,
Serei a tua deslumbrada esfinge...

Mas, se queres, de ardente e apaixonada,
Por ti, no meu amor feito demência,
Hei de me transformar numa outra amada
Renunciando a minha própria essência!


                       DESPEDIDA


Eu penso que a Felicidade
deveria ser uma coisa silenciosa...
muito quieta e calada...
a mim ela tem falado sempre,
mas só para dizer: Até logo!




                  

   DIVAGANDO




A Primavera tarda...!
Quase sinto que não posso continuar...
não tenho tempo para olhar tudo aquilo
que desejo...

É possível que alguém compreenda
a Vida exatamente quando está vivendo?
Compreenderá " cada um" e " todos" os seus minutos?

Viver significa mover-se num nevoeiro de ignorância,
ir para um lado e para outro,
tropeçando sempre nos sentimentos
dos seres que nos rodeiam?


E estar sempre a mercê de atitudes egoístas e mesquinhas?
Não! Não quero prosseguir assim!...

Gostaria de poder dormir...
mas dormir esse sono das pedras
que não podem sonhar...




            
    PORQUE?




Deus! Tu és divindade e saber,
Perfeição, amor e onipotência;
Porque, Senhor, tu nos formaste
para dar-nos tão mísera existência?


            Se do nada nós viemos
            Para em pó nos tornar,
            Porque? Capricho vão
            E fantasia louca,
            O esforço ingente de nos criar?

Se é Teu poder divino,
Se em Ti, tudo é sabedoria,
Porque me abandonas na solidão
De uma vida eternamente vazia?

              Guia, pois, meus passos inseguros,
             Ajuda-me na imensa lida!
              Dá-me, Senhor, uma razão de ser
              Na longa caminhada desta vida!


                      DESABAFO



Gosto de escrever
e não importa o que escrevo...
é a única maneira que conheço
de desabafar o coração
quando ele está a ponto de sufocar...

Pobre coração! Tenho pena dele;
sempre foi um incorrigível sonhador...
e, agora, anda com a ideia louca
de que a vida é sempre:
no prazer ou na desgraça,
uma oportunidade que nos falha!...

Gostaria tanto de poder confortá-lo...
mas meus horizontes
são pequenos demais...

A vida é assim...
um dia de esperanças,
um longo poente de incertezas
e finalmente a noite estranha e dolorida...
Que saudade infinita das estrelas...!

                         DÚVIDAS

Que amargura infinda será esta
Que me envolve, apertando-me a garganta?
Ou que dúvidas as forças me quebranta?
Nada é bom, nada vale? Nada presta?

É só maldade inútil,desonesta
O que me cerca e me sufoca e espanta?
Será tudo mentira o que me encanta?
Será tudo mentira o que me resta?


Vive em mim melancólico e profundo,
o drama de mil dramas que há no mundo;
E é tanta dor, tamanha a solidão.

Tão grande o desconsolo em que me vejo,
Que a Deus elevo o trágico desejo
De me parar enfim o coração!

                                  Virginia Victoria

E, apesar de tudo, continuar vivendo...
Entre essa época da minha vida
e a minha personalidade atual.
desdobra-se um sombrio e espesso
reposteiro de ciprestes...


Dezembro/1949


                    PALAVRAS


Palavras chegam de longe...Brilham formas à distancia,
memórias flutuam nas nuvens.
Nem tudo já se perdeu...
Ou se perdeu e eu não soube?

Não soube...e apenas restam estas páginas mortas
onde arabescos sonham o seu sonho de pedra...
Não soube...e apenas resta este espelho partido
que em nada se mira e se revela.

Ou se revela e é tarde?
Tarde, talvez... e a alma ansiosa
ainda procura o que via nas coisas...
a sua cor mais pura...
e se desfez...mas quando?

A alma cega ainda busca tanta coisa
no ar...tanta!
Mas, há apenas, sob a nuvem do Tempo,
simples lembranças de lembranças...

O que vislumbram meus olhos?
Que sopro ou que palavra ainda vibra na sombra?
Que silêncio denso ainda guarda,como concha secreta,
a ressoar das vozes que outrora se comunicavam,
e eram tantas...
e vinham do mesmo ar impregnado de azul...?

O que a memória já não acorda,
simples vida frustrada,
terá mesmo existido?
Se fui apenas o que sinto,
que insistentes lembranças serão essas
que não se definem?
Que insistentes vozes serão essas
 que me falam e me convocam
à certa luz da tarde, quando não é mais dia
e ainda não é noite...?

Fragmentos de paisagens, mal se iluminam...
desaparecem.

Mil faces se recompõem, à distancia
e já não sei qual delas foi a minha...
Não sei de que rara e indefinível substância se criaram
meus mitos, nem em que obscura
e perdida nebulosa se esconderam as estrelas!

A estrada apaga-se...sombras chegam de longe,
e há esse rumor surdo em que
 o mundo se desfaz e a vida se reveza.

Entretanto, tento prosseguir...
Calada...mas não indiferente...
Meus ouvidos estão atentos, meu coração aberto...

Falo, ando, trabalho...ainda tento
um jogo " faz de conta"
e humildemente invento ainda uma
nova manhã...
Esforço vão! Mas...reajo!
Novas palavras no ar...
luz do sol dourando o mundo...
nem tudo já se perdeu!...
ou se perdeu e eu não sei?...
Então...a vida falhou?
Não! Fui eu que falhei!

    

            DOMINGO




Domingo tristonho, de frio vento.
Domingo de tédio, domingo nevoento...
Não vens...Toda a noite te espero,cansada;
Casais amorosos lá vão na calçada;
E eu fico sozinha. Não vens...

Abandono...

Domingo de tédio, de bruma, de sono.
As mãos muito frias, a fronte pendida...
_ Domingo sem cores...Domingo sem vida...
Vidraça gelada que aos poucos se embaça.!

Meu rosto apoiado de encontro a vidraça,
E a rua lá fora, tão triste, tão fria...
Domingo tristonho, de lenta agonia...


          PEDRAS E SONHOS


Às vezes fico pensando...
Quando sentimos este irresistível
 impulso para a beleza
e abandonamos o caminho há muito trilhado,
preferindo tomar por outros que,
imaginamos, possam conduzir
mais rapidamente a realização
dos sonhos: haverá quem atire
a primeira pedra?

Que importam as pedradas?
Todo solo ferido é mais fecundo...
As pedras que o homem
contra Deus atira,
ao contato do céu
não se tornam estrelas?

Eu tenho a alma no céu!
Hoje sinto no coração,
um vago tremor de estrelas!


                    ENAMORADA





Tens graça pueril da Primavera...
Eu sou tristonha como um fim de Outono...
Lá fora há sol...e a vida ainda te espera!
E eu sinto já o frio do abandono...

Porque surgiste, assim, no meu caminho
Renovando esquecidas emoções?
Tu não vais só...e eu vivo sozinha...
Porque ressuscitar mil ilusões?

És jovem, és belo! És muito jovem ainda!
Talvez eu ame em ti outro qualquer
que há muito amei e como tu também
deixei partir, sem dar adeus sequer.

Tuas frases assim  sem pretensões
Teu olhar...Teus encontros casuais
São excitantes à reminiscências
De velhos sonhos que eu não tenho mais...

A afinidade que há entre nós dois...
Os livros... ideias...músicas que reúnes...
Tudo conspira sim...Porém depois
Terás talvez cansaço e eu ciúmes...

Tu que  és jovem...muito jovem ainda
estranharás renunciar calado...
Ficarás triste em si...Mas tudo finda
e estarás em breve conformado!

Deixa-me pois e segue o teu caminho
Não te desvies da Felicidade!
Que eu ficarei triste e sozinha
Juntando a uma Saudade...outra Saudade!


              NOSSO AMOR

Vem até mim no dia de hoje...
O amor dos teus olhos viverá
este mundo que eu trago dentro da alma...
Simples e brando...
mas intenso de carinho.

Olha no fundo dos meus olhos e,
por trás da lágrima do mundo,
verás que cintila, em busca da vida, um sorriso...
como pétala de rosa perfumando um ninho!

Não mintas nunca...não mentirei jamais...
Empresta-me a tua alma e 
Eu te darei a minha também...
Sigamos com amor pelo amor de todos!

Mas não te percas, não quebres o clarão
Do raio de luz que eu achei,
Entre tantas luzes...que me cegaram e me feriram...


               LIBERDADE




Resolvi entrar num acordo comigo mesma.
Afinal eu estou em mim e, ninguém me roubará.
A minha alma sem compasso de tempo
ampliou-me a vida
e deu-me a liberdade.
Existo: como as músicas, os sinos, a claridade...

Sou livre em mim,
completamente , não pela metade.
Livre...sem principio e sem fim!...

Talvez, mais tarde, quando a noite chegar,
eu durma tranquila,
depois que todos os passos
passarem sobre mim,
como tudo passa quando
não deixa um sonho para viver.

Mas eu terei o meu sonho vivendo...
e sobre ele ninguém pisará...nem você...
nem ninguém!


              FOLHAS  SOLTAS




Se não sabes dizer que sou mais tua,
Que do corpo devera ser minh'alma,
se não vês que por sob a estranha calma
Um coração palpita e tumultua;

Se não dizes que para mim és a palma
da vitória sem fim que se cultua,
Que te divisor no palor da lua,
No mar que brame e sonha e se desalinha;

Se não dizes que és sol no meu caminho,
que vivo presa à luz do teu carinho,
A força desse olhar que põe quebranto.

Se não dizes que te amo como louca,
Que rio e falo pela tua boca:
Cala essa boca...não blasfemes tanto!

Há tanta dor que o coração oprime...
Tanta pergunta que não tem resposta!



            HÁ DE CHEGAR

Há de chegar o dia.
Sim!
Em que tu e eu não seremos
apenas um detalhe.

Não só o teu corpo nem o meu, 
mas milhares de pensamentos e cores.
Um assomar verdadeiro!
Pedaços de céus, de marés, de rochas,
de sorrisos, de lágrimas, de sonhos,
pedaços de vidas, todas as multidões.

Há de chegar o dia!
Sim!
A uniformidade da luz,
o unissimo movimento
das sinfonias.


Não existirá o separativismo degradante
 do isolamento.
Porque tudo estará unido!
Tudo estará coeso para o olhar
alucinado da tua alma liberta!

E eu estarei contigo!



                DESCONHECIDA




Hás de rir, com certeza, ao ler meus versos;
Quantos beijos de amor ponho dispersos
Nas estrofes que sonho e que te escrevo!
Esses beijos de amor que não conheço,
Que a mim custam somente o enorme preço
de toda a exaltação do meu enlevo.

Hás de rir e dirás: _"Como se atreve
Essa tonta!...Nos versos que me escreve,
A falar tanto, tanta coisa louca,
Se nunca teve, nunca em sua vida
A glória da emoção longa e sentida
De meus lábios beijando a sua boca"!?

Mas, então, eu direi: _" Meus olhos fita;
deles, ao fundo, encontrarás bendita,
A luz do sonho que ilumina e guia;
A luz do sonho que me traz do mundo
O que há de mais sublime e mais profundo,
E é o pão do nosso amor de cada dia...

Desconheces minha alma. Sinto a vida
No que ela tem de mais belo e colorida.
No que ela tem de puro encantamento;
E o que não tenho, o que não vejo ou sinto,
Engano-me a mim mesma, e sonho, e muito,
E tudo alcanço no meu pensamento.

Falo de beijos, de palavras mansas,
Digo frases de amor e de esperanças.
Sonho! E nunca me canso de falar.
Mas meu sonho de amor não é perdido
Porque, se olhar meus lábios distraídos,
Sinto um beijo de amor no teu olhar...

Por isso, meu amado, não sorrias
Ao ler mentiras, nestas poesias.
Do meu canto livre de sonhos e de preces;ç
Antes, descobre toda a realidade
Dos momentos de grande intimidade
Que ambos tivemos - sem que tu soubesses!



                 ANGUSTIA



Envelheci tanto em tão pouco tempo...
A alma transborda de dor...
A mágoa, o sofrimento, transforma as nossas vidas
em folhas soltas levadas ao sabor inconstante do vento...

Haverá algum lugar,
algum tempo em que
não se sinta frio nas mãos e no coração?
Não sei!

Minha vida é apenas uma sombra...
sombra de um contraste: estampo riso no rosto
_que o pranto fique na alma_!

Quem me dera o repouso final,
no puro esquecimento...


                   INCERTEZAS


A Primavera ainda não voltou...
porque ela me faz esperar tanto?
Será que ela não percebe que,
talvez, quando chegar
eu não esteja mais aqui?...
O que fará então?
Irá procurar-me como eu
a procurei?



                 TUA  CHEGADA






Vieste de tão longe que nem sei
Se de esperar-te já desesperada...
E embora fosses tudo o que sonhei,
Nem percebeste que eu já te aguardava...

Tua vinda, como um clarão brilhando,
rasgou a paz da noite, que enlutada,
Rolava sobre o mundo, desejando
Chorar pelas estrelas...e mais nada.

E tal como o clarão assim passaste!
E maior foi a treva em tua ausência,
Que a tristeza da alma condenada...

Mas, no rastro de luz que tu deixaste,
Há calor para toda uma existência,
E estarei para sempre, iluminada!


                      VOCÊ


Eça de Queiroz escreveu:
_" Para um homem ser vencido
ou derrotado na vida,
depende não da realidade aparente
a que chegou,
mas do ideal a que aspira...
...Então?
Você esqueceu tudo?...
Você também não quer um sonho?
O perfeito do amor inteiro,
sem lágrima passada ou futura?
Você não deseja essa quase nada que é tudo?...
pureza, simplicidade, quietude?...

É a janela aberta por onde some a fumaça do seu cigarro...

A música nervosa que você ouve
pensando...para que? Pra que?
Você entra e sai de si mesmo.
Você bebe o álccol e ele sonha
todas as mentiras que você desliza.
Você cai constantemente, como
os rios que correm os mundos,
refletem estrelas, mas no fundo...
é lama!
A boate é surdina...
é coisa perdida que se deseja sonhar...
corpo bonito é pretexto de luxo
numa luz que tem medo
Tênue claridade...voz de piano...
um vulto...poderia ser outro...
está meio escuro...que importa?

Porque não olhar a vida de frente?
Encarar a  realidade como se ela
nos apresenta, com aprumo e dignidade,
para poder então, de cabeça alta
adorná-la com a fantasia
da imaginação!

Que pena você ter esquecido tudo!
Esqueceu até o nome que se dá a isto?
Nome que é  como o riso de criança,
coro de risos em primavera
que cantam a pureza!...

Posso ajudá-lo a ativar o fogo da memória?
O nome verdadeiro...é amor!
A ternura, a presença espiritual,
a decência de todos os que
sentem um coração pulsar...
O repouso do beijo amigo, beijo no ar,
que espera você pelos caminhos
da simplicidade, da confiança,
da ternura do olhar,
sem névoas onde moram
os sóis do amor inteiro.
O amor completo, sem lágrimas
passadas ou futuras...
o amor que você procura!



                 
              EU QUERO...




Quero ser sombra que te siga os passos,
quero ser sol para te dar calor,
e na cadeia frágil dos meus braços
quero prender-te para sempre, amor!

Quero que sintas o esplendor dos paços.
Numa palhoça rescendendo a flor,
onde a vida, refugiados, lassos,
nós escondamos nosso grande amor.

Quero que sintas o mundo de ternura
com que te quero em todos os momentos;
quero que tu me queiras com loucura,
Quero ser dona dos teus pensamentos!

Quero ser tua na expressão mais pura
e mais real dos nossos sentimentos!


                          DIVAGAÇÕES


No silencio do pensamento
as ideias são puras e nítidas
como as coisas desenterradas da noite
pelo clarão do novo dia.

As emoções são belas,
tem formas, cantam e dançam
sobre as cordas dos meus nervos
 tensos e deslumbrados.

Todo um mundo infinito e presente
se desdobra sem limites e horizontes.
Sou o palco da minha vida.

E me deixo como uma criança feliz
diante dos meus sonhos que
já não são alegorias.

Todas as paisagens se fixam reais
aos meus olhos surpresos.
Na clara manhã do pensa,mento,
está tudo presente;
e eu me sinto sem tempo,
eterna, assistindo a esse espetáculo,
que não cessa de surgir e se multiplicar
obediente aos meu gestos, porque,
eu sou como um mágico que faz do seu coração
a própria alegria.
Então, tudo é poesia!...

Mas, o silencio se quebra
e o mundo é um delírio de sombras 
prisioneiras do pensamento, 
escravas do coração...

E, quando julgo ter amestrado
esse mundo fantástico e
quero traze-lo aos olhos estranhos,
exibi-lo diante das multidões...
ele se desfaz como areia entre os dedos,
como nuvem num céu de ventania...

As vezes penso,
ao sentir-me assim só,
que afinal será doce o instante
em que o barco lançar a âncora ao fundo...

28 de janeiro de 1965

         ...................................


"Eu sou a lágrima de uma amplidão,
e rastro de luz de uma estrela correndo.
Sou o fantasma brilhando na escuridão
de um cadáver, em chamas,
nos céus morrendo"!

Hoje.. qualquer data...algum mês...nenhum ano...


                        SOLIDÃO





Estou escrevendo para não gritar!
Para não acordar os que dormem felizes
lado a lado,
os que se encontram e continuam juntos
e não precisam sonhar...
porque não dizem adeus.

Estou escrevendo para não gritar!
E as palavras escorrem salgadas
como um rio de águas mortas
num silencioso pranto.
Ninguém percebe a minha insônia
nem ouve as confidências que
ponho no papel e se transmudam
em palavras...

Estou escrevendo para não gritar!
Para não ter tempo de acompanhar a noite
que caminha silenciosa...
para não perceber que estou só...
irremediavelmente só!

Trago comigo apenas
o meu pensamento...
pensamento que é como uma cela
em que me debato a olhar 
a lua entre as grades!

Estou escrevendo para não gritar!
Para não perturbar os que amam
e passeiam de mãos dadas.
Estou escrevendo para que as palavras
chovam num dilúvio, silenciosamente,
e me afoguem e me deixem
pela noite a dentro como um corpo
sem vida e sem alma.

Estou escrevendo para não chorar!


                     IN MEMORIAM

                               ( FINITUM EST)





Eu andei pela vida a procura de alguém
que soubesse compreender 
minha alma incompreendida...
alguém que quisesse dar-me a própria vida
como eu lhe daria o meu viver também...

Procurando o ideal, seguindo para o além,
 ia traçando uma rota estranha e indefinida,
sem saber se em minha estrada
iria encontrar guarida,
ou se andaria eternamente sem rumo,sem ninguém.

Há muito, pela vida,
andava na procura de alguém
que viesse encher de luz  minha descrença.
Foi então que te vi...e julguei que a ventura
eu podia ainda encontrar nessa jornada imensa...
E foi assim que um dia, fui sentimental...
Acreditei no amor...e talvez, por castigo,
fizeste-me sofrer, mas não te quero mal...
Mais tarde, em tua vida, um dia hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora...
mas o mundo é uma praia,
onde as ondas do mar apagam, 
quase sempre as lembranças de outrora...

Não se vive outra vez...e o que chamamos " presente"
são palavras cinzentas, onde me atrevo
a despertar o nosso falso enlevo
e a confessar que somos infelizes...
Onde o antigo calor do teu carinho?
Onde a carícia dos teus olhos castanhos?
Sigo só, ao meu lado...vais sozinho,
como dois vultos por um só caminho
um perto do outro e totalmente estranhos...
Estás livre! 
Compreendo tudo!
Tudo por si justificado está!

Não tens culpa se te amo e se
a vida para mim é que foi má.
Os meus olhos, chorando, estão contente
só mais tarde, bem mais tarde, compreenderás.
Não digas nada, pois ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes.
Estranho é que a perfeição quando se acaba
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que, ainda ontem, quem sabe?
Tenhas sentido algum amor por mim.

Mas não falemos nisso...Não se deve
falar de um mal que nos maltrata assim,
nem sempre o que se pensa a gente escreve...
que o esquecimento seja um véu de neve
descendo suave sobre o nosso fim...


15 de outubro de 1964
3:20 h da madrugada
(quando ela se separou de seu único amor
depois de doze anos de vida juntos)




Conta uma história, bem baixinho
como um frou-frou de seda ao luar!
Conta uma historia, bem baixinho
para eu sonhar...
Era uma vez: - Rosa de espinho...

Conta uma história, leve, leve,
como uma espuma sobre o mar!
Conta uma história leve, leve,
para eu pensar...
-Era uma vez : - Branca de Neve...

Conta uma história bem sincera,
como uma fonte a soluçar!
Conta uma história bem sincera
para eu lembrar...
-Era uma vez: - Bela e a Fera...


Conta uma historia comovida,
como um adeus crepuscular!
Conta uma história comovida
 para eu chorar...
-Era uma vez: - a minha vida!


         PSICOLOGICAMENTE

Eu sou aquilo exato que não era
Se fosse o que quisera poder ser.
Sou bem mais real, ser menos sonhadora,
Para sentir direito o que é viver!

Passa-se o tempo e o que serei?...errei
Isto que fui sem ser, sem ter podido?
Talvez eu fora e muito mais que um rei,
Se fosse agora o que sonhei ter sido.

Ser o que sou é menos que se fosse
o que pensava ser, ânsia incendida:
mais forte a luta e mais doce!

Eu sou tanto o sonho que passou
que chego a crer que vivo uma outra vida,
Que sou precisamente o que não sou!

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                          TEMPO



Passaste tão depressa em minha vida
às vezes penso _ foi ilusão minha!_
Acendeste uma brasa adormecida
e deixaste-a queimar depois sozinha.
Guardarei a memória do teu vulto
e o que ontem me dizias, sei de cor,
fiz das lembranças que deixaste, um culto,
 pois a vida sem lembranças ...ainda é pior...
" Quase sempre é melhor o sofrimento
quando ele encerra uma lembrança boa!"
Doloroso é voltarmos nosso rosto
e o passado fugir...como um caminho
sem um riso, uma lágrima, em desgosto,
a saudade de um beijo ou de um carinho...
Teu amor foi apenas uma nuance,
Gota d'água brilhante...uma quimera.
Foste um lírico instante de beleza
_(mentira ingênua que eu chamei de amor) _
Foste isso: uma ilusão que a gente espera!
As palavras amargas que te escrevo
são aquelas que pensas mas não dizes.

Quiz gostar e gostei. Sofri portanto
ao descobrir as múltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto;
e hoje não sei como hei de aturar essa tortura
de te ver e a alguém numa ventura
que eu sonhei para mim...que em vão sonhei!
Esquece pois os sonhos que eu desfiz...
Para o teu próprio bem tu deves esquecer
já que não pude te fazer feliz.
Quando o tempo passar ...mais tarde...quando a vida...
transformar em saudade a lembrança querida
deste tempo de outrora, esquece teu olhar um segundo
no que estou escrevendo, guardando " este presente"!
que aos poucos vai embora...
Pode ser que com o tempo esqueças o que digo,
ou talvez que o caminho incerto onde hoje sigo
com o teu não cruze mais...
O tempo tudo vence... tudo ele consome...
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!

Madrugada de 14/10/1964...eu estava nessa época com 13 anos de idade e a ouvia chorar baixinho, em seu quarto, nas madrugadas solitárias.

Lindas essas poesias...mostram sentimentos conturbados, alma triste e torturada, amor que veio e se foi...mas, são poesias belíssimas...

Passando para outro tópico, vamos conhecer outros poetas?




IGNACIO MANUEL  ALTAMIRANO


Poeta mexicano, nasceu em tixtla, em 1834 e morreu em San Remo, em 1893.
Ìndio, aprendeu o espanhol no colégio. Deputado, lutou contra o Imperador Maximiliano, fundando em 1869, a revista Renascimiento, órgão da cultura mexicana da época.
Poeta romântico ( Rimas, 1880), é também o pioneiro dos romances de temática mexicana (Clemência, 1869; O Natal nas montanhas, 1870).



              ANNA ANDREIEVNA GORENKO AKHMATOVA




Poetisa soviética, nasceu em Odessa em 23 de junho de  1889 e faleceu em Moscou, em 05 de março de  1966.
Uma das principais representantes do Acmeísmo, evoluiu de um lirismo místico ( Rosário, 1914) e intimista ( Anno Domini MCMXXI, 1922) ao clacissismo ( Junco, 1924/1940).
Publicou também duas coletâneas:
- Versos líricos...1961
-Poema sem herói,...1963.





O marco inaugural do Arcadismo brasileiro são as Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa, publicadas em 1768. O " Prólogo ao Leitor" que as acompanha pode ser considerado o primeiro manifesto literário brasileiro por suas reflexões teóricas acerca da arte. O poeta e inconfidente foi, ainda, o primeiro tradutor documentado da Colônia: traduziu do italiano as peças dramáticas de Metastásio. Deve-se a ele também A Carta topográfica de Vila Rica, de 1758, o risco da Igreja de São Francisco de Vila Rica com sua inovadora torre em forma de guarita militar e uma das mais antigas obras de História sobre a Capitania de Minas Gerais. Tantas atividades diferentes denunciam por si só uma cultura condizente com o espírito iluminista da época.
Reconhecido como grande sonetista e o maior poeta pastoril em língua portuguesa do séc. XVIII, Cláudio realiza um Arcadismo com traços de Barroco.
Segundo alguns críticos, também prenuncia o Romantismo.




SONETO 17

Deixa,que por um pouco aquele monte
Escute a glória, que a meu peito assiste;
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar à margem dessa fonte.

Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem,deixa, que conte.

Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!



Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
 só acostumada às vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!

SONETO 84

Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci ! Oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza.

Amor,que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
 A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós que ostentais a condição mais dura,
temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.



SONETO 47

Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco ! Já ferido
Do proceloso vento, e já batido
Do mar, que nele quebra a cada instante!

Não vi; nem hei de ver mais semelhante
retrato dessa ingrata, a que o gemido
Jamais pode fazer, que enternecido
Seu peito atenda às queixas de um amante.

Tal é, ingrata Nise: a rebeldia,
Que vê nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia:

Mas que diversa é a tua natureza!
Dos contínuos excessos da porfia
recobras novo estímulo  à  fereza.

SONETO 71

Eu cantei, não o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento,
Sem saber que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.

Que amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento;
Inda agora de amor cantara atento,
Se lhe não conhecera a aleivosia.

Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.

De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma é pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.


Fonte:Literatura Brasileira
             Origens da Literatura Brasileira e Formação
                         da Identidade Nacional...p:20
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VERSOS DO TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS





Chove. E esta água sem fim, que vem do espaço
e noite e dia cai, firme, inclemente,
não permite, querida, infelizmente,
que hoje eu te veja, como sempre o faço.

Olhando a chuva, penso: quão contente
á quem num dia assim, tristonho e baço
tendo a eleita a seu lado, dado o braço,
na alma feliz este pesar não sente!

E dizer que eu achava graça infinda,
quando menino, em ver as cargas dágua
sobre as casas se virem abater!...

Naquele tempo, eu não sabia ainda
que a chuva traz às vezes tanta mágoa...
E chove. E chove...E não te posso ver!

                                                         (Desconheço o autor)
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                          POLICROMIA




Pensamento branco de saudade
Na hora da melancolia.
A doçura de sentir na soledade
Um misto de amor e poesia...

Doce pensamento azul de sonho
Que se espraia em volutas de fumaça...
Devaneio tão leve e tão risonho
Como a brisa suave que perpassa...

Pensamentos róseos de um amor
Que foi fértil como a primavera...
Prelúdios de sonatas ao sol por...
Anseios de ilusões e de quimeras...

Rubro pensamento de paixão
Se raciocínio ou calma...
Turbilhoando em louca exaltação,
Conturba-se a alma...

Pensamento roxo, de tristeza,
De dor e resignação.
Destino ermo de beleza,
De alegria ou de emoção...

Pensamento amarelo de despeito,
De ironia falaz,
É a ausência do afeto e do respeito,
Da bondade e da paz.

Pensamento escuro-acinzentado
Do ciúme, do rancor...
A torpeza do ser atribulado
Na incompreensão do amor...

Da revolta, o negro pensamento
De luta, de contradição
Leva tudo: sossego, sentimento,
Carinho e devoção.

E na fusão destas cores
Vão-se as horas, Vão-se os dias
De amargura ou de esplendores...
E a badalar como um sino
Vão marcando ora alegrias,
Ora mágoas, dissabores
No rosário do Destino!

                                              Carmen Regina
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              GLÓRIA  MORTA

                                                           Dante Milano

Tanto rumor da falsa glória,
Só o silêncio é musical.
Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio em si mesmo, 
O sonho que não está em parte alguma.
De tão lúcido, sinto-me irreal.

                                  ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○

Poema da Estrela da Manhã

Tomas  Seixas



Era como se uma mensagem de paz vinda de Deus
houvesse baixado sobre a terra.
Era como se todo o sofrimento do mundo houvesse cessado.
Era como se o sono dos mortos houvesse se tornado mais profundo
Era como se a primeira brisa da manhã houvesse se tornado mais pura
Era como se o arfar leve dos pulmões houvesse se tornado mais leve ainda
Era uma sensação mais de convalescença que de amor.
Era o brilho e o calor
Da estrela da manhã!
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Obra notável de Guilherme de Almeida. Publicada em 1935, 5 Edição, pela Companhia Editora Nacional.

Esse Livro pertenceu ao meu avô, depois passou para meu pai, minha mãe e hoje está guardado entre os meus livros mais queridos.
Está dividido em três partes:
- Nós
- A Dança das Horas
- Suave colheita

Vamos conhecer algumas dessas belíssimas poesias? E observar como a ortografia mudou durante todo esse tempo......


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O  pequenino livro, em que  me atrevo
a mudar numa tremula cantiga
todo o nosso romance, ó minha amiga,
será, mais tarde, nosso eterno enlevo.

Tudo o que fui, tudo o que foste eu devo
dizer-te: e tu consentirás que o diga,
que te relembre a nossa vida antiga,
nos dolorosos versos que te escrevo.

Quando, velhos e tristes, na memoria
rebuscarmos a triste e velha história
dos nossos pobres corações defuntos.

que estes versos, nas horas de saudade,
prolonguem num doce eternidade
os poucos mezes que vivemos juntos.

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Vem,partamos, que o mundo nos espera!
Não te assombrem as noutes sem luares,
nem estranhes as pedras que pisares,
nem te engane a miragem da quimera.

Muito espinho has-de vêr, que dilacera
a propria flor com que brotou. Não páres:
verás, no estilo, névoa pelos ares
e morrerem jardins, na primavera.

Mas que importa? Sou moço, és bella e temos
um bem que nós somente conhecemos
e que a vida não dá porque o não tem.

Vamos com nosso amor, vamos agora,
de olhos fechados, pela vida a fóra,
de braços dados, pelo mundo além!

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Falam muito de nós. Quanta maldade,
quanta maledicencia, quanta intriga!
" É um pobre sonho de felicidade..."
"É um romance de amor à moda antiga!"

" Isso não passa de uma historia, que ha de
acabar como todas..." E ha quem diga:
" Já são muito mal vistos na cidade
aquelle moço e aquella rapariga!"

Diz-se... E eu sinto, num tremulo alvoroço,
que vou ficando cada vez mais moço,
que vais ficando cada vez mais bella...

Nosso mundo (fale o outro; pouco importa!)
Se fica todo entre o quadro de uma porta
e o rectangulo azul de uma janella.

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Si esta gente soubesse, eu te dizia,
como os homens parecem tão pequenos,
vistos do alto da nossa gelosia,
longe das dores e dos ais terrenos!

Si esta gente, que vae, soubesse, ao menos,
que, na torre da nossa fantasia,
o amor, nos dias turvos ou serenos,
é o teu pão e o meu pão de cada dia!

Si esta gente soubesse!  A's vezes ouço
dizer: " Ella é tão linda! Elle é tão moço!
O que ha de der aquella agua-furtada!"

Si soubesse! _ pensavamos. Contudo,
esta gente, que vae, sabe de tudo:
nós é que vamos sem saber de nada.

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Sonhei: cheia de sol, transfigurada,
sob um pallio de nuvens luzidias,
assim te vi que, tremula, descias
os degraus silenciosos de uma escada.

Chegaste a mim, de rosas coroada.
Então, tomando em tuas mãos macias
e grinalda de flores que cingias,
coroaste-me a fronte acabrunhada.

Depois, partimos. E, uma a uma, as flores
foram perdendo, pouco a pouco as cores,
cahindo na aspereza dos caminhos...

E a grinalda de rosas, que me trouxe
tanta felicidade, transformou-se
numa coroa ironica de espinhos...

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Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde timida e lavada,
eu sabia a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sargetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando nelles,
que não barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aquelles,

perfeitamente, exactamente eguaes...
_ Que os meus barquinhos, lá se foram elles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

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Era uma história simples e sombria
que a minha velha pagem me contava.
Eu tinha a graça da innocencia _ e ouvia;
ella, o encanto dos velhos _ e falava.

Naquella mesma historia, cada dia,
que novas emoções eu não achava!
" o principe cresceu..." _ ella dizia;
" Quando eu fôr como o principe!" _ eu pensava.

Deixa tambem que a nossa pobre historia
viva sempre no fundo da memoria
e a tua bocca timida a repita!

Hão de tremer os homens e as mulheres,
cada vez que, contando-as, tu disseres:
" Era uma vez uma mulher bonita..."

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Vamos, portanto, como dous estranhos,
deixando para traz o nosso ninho!
Desmancha ao vento os caracóis castanhos
do teu cabelo, e vae devagarinho!

Devagarinho como eu vou...São ganhos
os momentos perdidos no caminho.
Foi tão curta a ilusão, foram tamanhos
os desenganos que provei sósinho!

E é tão pequeno o mundo em que vivemos,
que é impossivel que não encontremos,
que não nos encontremos nunca mais!

Ha uma vaga esperança reflectida
nos adeuses que trocam, pela vida,
os que vão eu vou, como tu vaes!

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                                                      "  ARS AMANDI"

Antes que venha a bem amada, fecha
tua janella azul, para que o sol não corra
pela sala, veloz como uma flecha,
e, ferido de luz, o teu amor não morra.

Não que devas temer vel-a: onde estejas
_ no teu sonho, no mundo, ante Deus, entre o povo_
nunca a verás demais por mais que a vejas,
porque tudo que é bello é eternamente novo!

Fecha a tua janella, para teres,
como o olhar se habitua à treva pouco a pouco,
mais demorado o gosto dos prazeres,
mais lenta a percepção do teu desejo louco.

Corta os fios de sol, apaga-os, vence-os!
Quando a amada entrar lenta e coroada de flores,
hão de rodeal-as as luzes e os silencios,
as penumbras e os sons, os perfumes e as cores!

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Quando chegar a bem amada, faze
com que ella mesma, pouco a pouco, te convença,
pelo olhar, pelo gesto, pela phrase,
que é uma nova mulher que te procura! Pensa
que é uma tua inimiga que te ameaça,
que te traz um prazer e um arrependimento;
doso douco e fugaz _ que é uma fumaça,
remorso_ que é um carvão apagado e cinzento...


Defende-te! e quando ella, como um barco,
riscar o lago azul da tua vida quieta,
reteza o pensamento como um arco;
e a phrase ha de partir, prompta como uma setta!

Flecha apóa flecha, umas nas outras crava:
terás feito um cordão por onde irás prendel-a!
Exgotta sem piedade a tua aljava,
que ella mesma, depois, ha de saber enchel-a!

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Sê solitario em teu amor! procura
crêr que estás só, quando ella estiver a teu lado;
terás então essa desenvoltura,
que é para todo amor meio caminho andado.

O amor é o poema do egoismo. Busca
beijar-te no teu beijo e em teu braço abraçar-te:
tua volupia será menos brusca
e teu prazer terá mais belleza e mais arte.

Faze com qu ao amor tu te acostumes,
sem sentires o bem e o mal que elle te faça,
pois o amor deve ser como os perfumes:
quem os traz já não sente o que sente quem passa.

Compara o gozo de hoje ao mais agudo,
ao mais forte, ao melhor da tua mocidade:
si fôr egual, será o maior, pois tudo
augmenta, quando visto através da saudade!

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Saindo um pouco de Messidor.....

                        NO    CORPO

De que vale tentar reconstruir com palavras
            o que o verão levou
           entre as nuvens e risos
junto como jornal velho pelos ares?
O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
agora são apenas esta
contração ( este clarão)
de maxilar dentro do rosto.
A poesia é presente".

Ferreira Gullar.....Antologia poética
Rio de Janeiro...Fontana e Summus,1977
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                     O   POETA  E A   POESIA


"Não é o poeta que cria a poesia.
E sim, a poesia que condiciona o poeta.

Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.

Poeta, não somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado
de uma rima, à autenticidade de um verso.

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,
procurando no jogo das palavras,
no imprevisto do texto, atingir a perfeição
            inalcançável.

O autêntico sabe que jamais
chegará ao premio Nobel.
O medíocre se acredita sempre perto dele.

Alguns vem a mim,
Querem a palavra, o incentivo, a apreciação.
Quer dizer a um jovem ansioso na sede precoce
      de lançar um livro...
Tão pobre ainda a sua bagagem cultural,
tão restrito seu vocabulário,
enxugando lágrimas que não chorou,
dores que não sentiu,
sofrimentos imaginários que não experimentou."


Cora Coralina.......
Vintém de cobre, meias confissões de Aninha.
São Paulo,  Global...1991
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                                        SONETO

" Mudam-seos tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo mundo é composto de mudança
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo de esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem( se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, sem mim, converte o choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía!"


Luís Vaz de Camões.....
Para tão longo amor tão curta a vida: sonetos e outras rimas.
São Paulo: FTD, 1998.
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TROVADORISMO GALEGO-PORTUGUÊS

Durante  os séculos XII,XIII e XIV, desenvolveu-se um movimento poético que ficou conhecido por Trovadorismo. Nessa época,surgiram as " cantigas", que eram poesias feitas para serem cantadas ao som de instrumentos musicais como a flauta, a viola, o alaúde e outros. O cantor dessas composições era comumente chamado de " jogral" e o autor delas recebia o nome de "trovador".
Daí a denominação dada a esse período_ TROVADORISMO.
O Trovadorismo português teve seu apogeu nos séculos XII e XIII, entrando em declínio no século XIV. Seu último grande incentivador foi o rei D.Dinis (1261 - 1325), que prestigiou a produção poética em sua corte, tendo sido ele próprio um dos mais fecundos e talentosos trovadores medievais.

A composição mais antiga que se conhece é a chamada " CANTIGA DA RIBEIRINHA"  ou "CANTIGA DE GUARVAIA", escrita provavelmente em 1198 e comumente assinalada como marco inicial da literatura portuguesa.
Nessa época, a língua portuguesa ainda não estava totalmente caracterizada. Espelhando a unidade linguística que havia em Portugal e Galiza ( reino situado ao norte de Portugal), o idioma usado nas cantigas trovadoras era o galego-português.

Os únicos documentos que restaram sobre tal produção literária são os " cancioneiros", coletâneas de cantigas características variadas e escritas por  diversos autores. Desses cancioneiros, os mais importantes foram:
- CANCIONEIRO DA AJUDA- compilado provavelmente no século XIII, encontra-se atualmente na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa.
- CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA - compilado provavelmente no século XV.
- CANCIONEIRO DA VATICANA -  encontrado na Biblioteca do Vaticano, foi organizado provavelmente também no século XV.
- CANTIGAS DE SANTA MARIA-  atribuídas a Afonso X, rei de Castela de 1252 a 1284, tem como argumento os milagres da Virgem Maria de Castela.
Com base ma maioria das cantigas reunidas nos cancioneiros, classificam-se em:
CANTIGAS DE AMOR.....originárias da Península Ibérica, constituem a manifestação mais antiga e original do lirismo português. Nelas, o trovador procura traduzir os sentimentos femininos, falando como se fosse uma uma mulher. Às vezes, procura um ambiente solitário e desabafa com a natureza. É o que se encontra na cantiga de amigo a seguir, composta por D.Dinis:

CANTIGA DE AMIGO( em galego-português)

" _ Ai flores, ao flores do verde pino, se
sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
ai, Deus,e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo?
ai ,Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi á jurado?
ai, Deus e u é?
_ Vós me preguntades polo voss'amigo?
E eu bem vos digo que é san'e vivo:
ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado?
E eu ben vos digo que é viv'e sani.
ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san'e vivo,
e será vosc'ant'o prazo saido.
ai, Deus, e u é?

TRADUZINDO...

" _Ai, flores, ai flores do verde pinheiro,
sabeis noticias do meu amigo?
ai, Deus ,onde está?

Ai, flores, ai flores do verde ramo,
 sabeis noticias do meu amado?
ai, Deus onde está?

Sabeis noticias do meu amigo,
aquele que não cumpriu o que combinou comigo?ai, Deus, onde está?

Sabeis notícias do meu amado,
aquele que não cumpriu o que tinha jurado?
ai, Deus, onde está?

_ Vós me perguntais pelo vosso amigo?
E eu bem vos digo que está são e vivo.
ai, Deus , onde está?

Vós me perguntais pelo vosso amado?
E eu bem vos digo que está vivo e são.
ai, Deus,onde está?

E eu bem vos digo que está são e vivo,
e estará convosco antes de terminar o prazo.
ai, Deus, onde está?

E eu bem vos digo que está vivo e são
e estará convosco antes de passar o prazo.
ai, Deus,onde está?"



CANTIGAS DE AMOR......originárias da região da Provença, no sul da França atual, expressam o amor distante e de extrema submissão do trovador pela dama, não escondendo, por trás das sutilezas da linguagem, todo o erotismo do desejo amoroso. Na Península Ibérica, o erotismo dos trovadores provençais não se manifesta tão claramente, porque o idealismo cristão peninsular aproximou a mulher da figura da Virgem. 

" Se eu pudesse forçar meu coração,
obrigá-lo, senhora, a vos dizer
quanta amargura me fazeis sofrer,
posso jurar _ dê-me Deus seu perdão! _
que sentireis compaixão de mim.

Pois, senhora, conquanto apenas dor
e nenhuma alegria me causeis,
 se soubésseis o mal que me fazeis,
posso jurar _ perdoa-me, Senhor! _
que sentiríeis compaixão de mim.

Não me querendo nenhum bem, embora,
se soubésseis a pena que me dais,
e quanta dor há nos meus tristes ais,
posso jurara _ de boa fé, senhora! _
que sentiríeis compaixão de mim.

E mal seria, se não fosse assim."

                                           ( D. Dinis)


CANTIGAS DE ESCÁRNIO E DE MALDIZER....... olhando a realidade à sua volta, os trovadores tinham muitos motivos para compor cantigas satíricas e irreverentes, que deviam deixar algumas pessoas furiosas, como uma mulher que se queixou a um trovador de nunca ter merecido um cantar de amor. Eis a resposta dele, em português moderno:

" Ai, dona feia! foste-vos queixar
porque nunca vos louvo em meu trovar
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvarei para sempre
e vede como vos quero louvar:
- dona feia, velha e maluca!"

Essas cantigas receberam o nome de escárnio e de maldizer. Nas cantigas de escárnio, as referências à pessoa satirizada são indiretas; nas de maldizer, o ataque é explícito, com o uso até de linguagem obscena. Nessas cantigas, os trovadores ridicularizavam os maus jograis e os cavaleiros covardes, falam de mulheres, contam casos amorosos, etc.


IMPORTÂNCIA DA POESIA TROVADORESCA

Estimulado pela poesia provençal e encontrando ressonâncias nas tradições populares da Península Ibérica, o lirismo trovadoresco desenvolveu-se durante os séculos XII e XIII. A partir do século seguinte, essa poesia caminha para uma progressiva individualização. Em meados do século XV, entra em declínio. Os jograis vão desaparecendo, os trovadores tornam-se poetas. A música separa-se da poesia, que passa a ser feita para a leitura. Surgem então novos recursos de composição poética. O gosto, porém, pela poesia intimista e sentimental que floresceu no Trovadorismo marcará profundamente toda a poesia portuguesa  posterior. E o lirismo brasileiro também se reconhecerá como o fruto distante dessa semente plantada na Idade Média.


Fonte: Componente curricular Português
Editora Moderna....São Paulo, 2004
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                        NOVELAS  DE  CAVALARIA

As novelas de cavalaria originaram-se dos antigos poemas de assuntos guerreiros, chamadas  CANÇÕES DE GESTA. Na ficção, os cavaleiros da decadente cavalaria medieval são sempre valentes, e a vida, uma sequência de perigos que ressaltam ainda mais a coragem e o destemor dos heróis, que estão a serviço de belas damas.
Na Península Ibérica, as novelas de cavalaria encontraram grande receptividade. Sob inspiração dos modelos estrangeiros, produzíram-se inumeras obras até o final do século XVI, tornando-se assim a península o último reduto desse tipo de ficção na Europa.
De toda essa produção, as obras que interessam mais de perto à literatura portuguesa são:
Amadis de Gaula ( 1508)
Crônica do imperador Clarimundo  ( 1520)...de João de Barros.
Palmeirim de Inglaterra  (1547)....de Francisco de Moraes
Memorial das proezas da segunda Távola Redonda  ( 1567)...de Jorge Ferreira de Vasconcelos.


                                                              AMADIS  DE  GAULA

                                        UMA HISTÓRIA DE AMOR E VIOLÊNCIA

Amadis é a figura central da história. Embora seja um valente cavaleiro, é tímido diante da mulher amada, perturbando-se ante sua simples presença. Na verdade, são dois aspectos da vida medieval que estão representados na novela: o convencional amor cortês, em que o cavaleiro dedica a vida a servir à sua dama, e a rudeza do guerreiro em luta contra seus inimigos, quando então extravasa sua fúria.
A descrição realista, contudo, não se restringe às cenas de batalha. O sensualismo subjacente às cantigas de amor torna-se bem mais explícito nessa novela. O desejo amoroso se manifesta sem rodeios não só no homem, mas também na mulher, como pode ser visto quando Amadis, com o seu pagem Gandalim, salva sua amada Oriana.

                            CANCIONEIRO   GERAL

                                  Poesia palaciana

Ao longo do século , o poema começa a separa-se da música. O texto passa a ser feito apenas para a leitura. O trovador dá lugar ao poeta.
Sem apoio da música, o poeta busca o ritmo na própria linguagem verbal, explorando novas formas, métricas e ampliando as possibilidades da arte poética.

                      CANTIGA SUA PARTINDO-SE

" Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d'esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém".

           João Ruiz de Castelo Branco
              (um dos poetas dessa época).


Inspirado na iniciativa dos espanhóis de organizarem cancioneiros poéticos, Garcia de Resende compilou o CANCIONEIRO GERAL , que constitui a fonte mais importante para o conhecimento da poesia produzida na corte portuguesa.
Publicado em 1516, enfeixa poesias escritas por diferentes autores praticamente 1450. Nelas predomina o lirismo amoroso, sutil e sofisticado,revelando influências italianas, principalmente do poeta Petrarca ( 1304 - 1374).

Ainda que de valor desigual, as poesias do Cancioneiro Geral mostram que p lirismo português  evoluiu desde o Trovadorismo para uma progressiva individualização. Abandonam-se as convenções do amor cortês, a " senhora" torna-se " meu bem", diminuindo a distância entre o homem e a mulher e criando uma atmosfera mais íntima.

"Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
antes que esta assim crescesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.

Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?"

                  Sá de Miranda
                      ( poeta dessa época)

Desavim = Desentendi
Imigo      =   Inimigo 

Fonte........Componente curricular Português......Editora Moderna....2004
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                        TUDO MUDARÁ, UM DIA

É verdade. Arrepio-me ao comparar épocas e homens.
O meio século que vivi, diz muito da diferença de caráter e honestidade de muitos homens que prostituem a política,
trazendo, de peito estufado, a sua máscara partidária.
Estão tantos por aí, somando polpudos salários pagos pela patuléia,
não  cumprindo,minimamente, com os seus deveres e quando são obrigados
a fazer alguma coisa, pela função que exercem, pagam propagandas, colocam faixas, dão festas, molham-se com champanhas
e exigem do povo, agradecimentos!
Jamais compreendi tanto sarcasmo, tanta postura arrogante!
Em toda parte é sempre a mesma coisa, a mesma capacidade.
Quanto mais alto o cargo desses " patriotas" de pendores cínicos, mas a eles se paga, para menos fazerem.
É difícil até encontrá-los nos lugares de trabalho, pois estão sempre em banquetes, comemorações, homenagens, viagens
e tudo pago pelo povo sofrido e policiado.
Pobre povo faminto e roubado, eterno esteio dessa democracia cantada.
Até quando será permitida essa vergonha nacional?
Até quando nesses " carnavais" vão poder manter as máscaras da probidade?
Acredito no Otávio Mangabeira quando disse: " ninguém pode tudo,e, ninguém, sobretudo, pode sempre".
Coitado do povo que trabalha, produz e sustenta, faminto e banhado de suor, esses " assaltantes legalizados", que se acoitam no regime,
que ao invés de construir cadafalsos para todos eles, concede títulos, promoções e posições mais ainda inatingíveis.
Daí, serem " anti" qualquer regime, inclusive, o socialismo.
A força policial é paga para jogar num cárcere infecto, quem sonha com um mundo mais equitativo, ou, pela fome, rouba um pão abromatado, no entanto, para quem rouba milhões e é useiro e vezeiro em falcatruas, a sua ação é interceptada por poderes estranhos e nada acontece.
Prendam-me, sufoquem os meus gritos pelos membros retorcidos como fizeram com tantos outros que denunciaram tanto despudor.
E então, como o Ashaverus maldito da lenda hebreia, o meu ideal será livre
e se transformará na ferramenta que derrubará esse império já apodrecido,
fazendo que todo homem seja respeitado,
porque a história da humanidade nos diz que os homicidas de HOJE
serão os cadáveres de AMANHÃ!


Hélio de Albuquerque Lima Júnior....
Nova Friburgo, 3 de maio de 1986
Panorama......Suplemento semanal do Jornal A Voz da Serra
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                LITERATURA  PRÉ-ISLÂMICA
                                                    CURIOSIDADES NA POESIA



Os poetas pré-islâmicos cantavam suas composições com acompanhamento musical. A música e a poesia estavam  ligadas de alguma forma. A flauta, o alaúde, o oboé e o tamborim constituíam os instrumentos favoritos. Jovens cantoras eram muitas vezes convidadas para divertir os jantares masculinos. Tabernas dispunham delas. Os reis ghassânidas mantinham um grupo de tais jovens para aliviar os afazeres da realeza. E quando os coraixitas de Meca marcharam contra Maomé em 625, levaram consigo um bando de jovens cantoras para alegrar o ambiente dos seus acampamentos e estimulá-los na guerra. Mesmo nesses primitivos " Dias de Ignorância" como os muçulmanos iriam chamar o período pré-islâmico, o canto árabe era uma cantilena queixosa de poucas palavras que trazia uma nota tão persistente ao longo dos pontos altos da escala que poucos versos podiam fornecer um libreto de uma hora.
A literatura e, particularmente, a poesia estão profundamente enraizadas na tradição árabe. Se os primeiros registros literários são do século V, a "literatura oral", sem dúvida, é muito mais antiga: multimilenar. Entre os árabes, a eloquência sempre foi valorizada: era, inclusive, uma condição exigida para se poder exercer a chefia da tribo.

    Se aquelas primitivas tribos árabes não se destacavam em outros campos da cultura, na poesia, pelo menos, eram imbatíveis: graças ao espírito contemplativo e observador, desenvolvido e propiciado pelo ambiente e pelo modo de vida nômade. Desde a infância, aprendia-se a refletir e a descrever o camelo, o vento, as montanhas, o céu, as estrelas, a noite do deserto...
    Havia feiras literárias anuais e gravava-se em ouro, sobre folha de palmeira, as peças vitoriosas que eram dependuradas ;seu nome mu'alaqat  na Kaaba.
    Este primeiro momento da literatura árabe, denominado Jahilyiah , é o que mais se aproxima da alma do povo; 
A partir de 750 (período abássida) há – também na literatura – uma miscigenação, que absorve elementos advindos de diversas outras culturas e um acentuado refinamento
    Assim, à Jahilyiah devemos nos voltar, se quisermos analisar os traços mais genuínos da tradição árabe . Nesse período, já encontramos provérbios e peças sapienciais, como as poesias de Zuhayr Ibn Abi Sulma que, após louvar as virtudes da convivência e exortar os ricos a serem generosos com os de seu povo, apresenta a inexorabilidade da morte,
"que tem meios de atingir quem a teme / mesmo que se tente escapar dela, escalando as alturas do céu"
        Wa man haba asbaba al-manaya yanalnahu / Wa in yarqa asbaba as-sama'i bissulami.
Um outro ponto a destacar é a sonoridade: os peculiares recursos fonéticos da língua estão a serviço da expressão poética. É o caso de um longo poema do príncipe dos poetas da época pré-islâmica, Imru Al-Qays, que contém um verso antológico nesse sentido.

    O poema – um dos tantos da época, dedicados a celebrar o cavalo árabe – começa descrevendo a sensação de cavalgar um portentoso corcel, dotado da força do vento. É madrugada, os pássaros nem ainda saíram de seus ninhos; é tal a imponência do nobre animal que, se alguma fera o avista, fica imediatamente paralisada, estarrecida ante a fogosidade do puro-sangue.
    Seu tropel é belo e harmônico, embora indomável como a rocha que a chuva precipita em desabalada carreira desde o alto etc...
    Ao descrever a impetuosidade desse movimento, o poeta-cavaleiro diz que sua montaria "avança, retrocede, arranca e recua num mesmo ato" o que, no original árabe, é toda uma onomatopéia:
        Mikarrin, mifarrin, muqbilin, mudbirin, ma'an!
    Também é grandiosamente dolorosa a sonoridade da poetisa Khamsá' nos versos em que lamenta a morte do irmão:
        "Falá, wa lahi lá, ansaka hatta / Ufárika muhjaty wa yushaqa ramsy"
(Pois eu não, por Deus não, eu não te esquecerei / até que me separe de minha alma e até que se fenda o meu sepulcro!).
    Do ponto de vista da temática, note-se a presença das eternas hospitalidade e generosidade orientais, já descritas, por exemplo, num dos mais antigos monumentos da literatura árabe, com sutilezas psicológicas de incomparável grandeza humana: o poema de Hatim at-Taiy .


Os Conselhos da Beduína
(Tradução de Helmi M. I. Nasr)


Ó filhinha: estás para te separar do ambiente em que te criaste

E prestes a trocar o ninho em que engatinhaste

Por uma casa e um companheiro, para ti desconhecidos
Leva de minha parte estes dez conselhos, para ti, um tesouro:


1) Acompanha-o docemente (com sobriedade).

2) Convive com ele em suave obediência e respeito.

3) Esteja atenta ao lugar onde pousa, em ti, o olho de teu marido: que não encontre em ti feiúra.
4-5) Não descuides da hora das refeições e não perturbes com estrépito o seu sono, pois, certamente, a força da fome é como o fogo e perturbar o sono, algo odioso.
6-7) Evita ostentar alegria, quando ele estiver triste, e mostrar-te aborrecida, quando ele estiver alegre. Isso contrariaria o primeiro de meus conselhos e angustiá-lo-ias com tua tristeza.
8) Sê, entre todas as pessoas, a que mais o respeita e, assim, ele será o primeiro a honrar-te.
9) Não alcançarás o que gostas, se não antepões a satisfação dele à tua, e a paixão dele à tua.
10) O mesmo farás para as coisas de que não gostas.

Procede assim e Deus te favorecerá.

(1) Mu'alaqat, literalmente, penduradas, designa o corpus de poesias premiadas nesses concursos.
(2) E, em árabe, a mesma palavra 'arab designa árabe e beduíno
(3) Literalmente, ignorância (da revelação do Islão). Jahilyiah é, pois, o período pré-islâmico.
(4) Refinamento e, por vezes, afetação.
(5) Além, é claro, da temática suscitada, mais tarde, pelo Alcorão.
(6) O poeta narra um episódio ocorrido com ele no passado. É noite no deserto, Hatim at-Taiy está em sua solitária tenda. De repente, o inesperado: ecoam gritos terríveis como de alguém lutando contra os terrores noturnos, clamando desesperadamente, como se fora louco (naturalmente, a hospitaleira mentalidade do poeta recusa-se a aceitar esta hipótese). Ao ouvir esses gritos, o poeta sai da tenda, desarmado de mãos e de espírito, afasta seu cão de guarda, intensifica o lume e dirige-se ao estranho com voz doce e fraterna, numa fórmula hiperbolicamente calorosa de boas vindas: "Ahlan wa sahlan wa marhaban, rushidta" ("Bem-vindo", "esta é sua casa", "esteja à vontade", "fique em paz"...). E prossegue: "Não me sentei para interrogá-lo (!); tomei um camelo de raça (!) para preparar-lhe uma refeição digna do autêntico hóspede que era para mim, seguindo o ensinamento de meu pai e dos antepassados".
A referência principal e obrigatória da literatura árabe remonta até à época pré-islâmica, a jahiliyya. Nesta pré-história, apenas ao alcance da nossa imaginação, é a poesia, e não a prosa, que marca a criatividade. O árabe clássico tem a sua origem nos antigos dialectos árabes que possuíam uma superstrutura linguística comum, a Koiné, que se manteve como a língua literária árabe até ao presente. No séc. VI as tribos árabes da península possuíam uma linguagem e uma técnica poética comuns, independentemente dos dialectos tribais, que as unia numa mesma cultura de tradição oral. O lugar onde se recitava o poema chamava-se Samar, onde os beduínos, junto ao fogo e debaixo das estrelas discutiam os acontecimentos do dia e recordavam o passado através dos relatos e assim celebravam os seus triunfos. A qasida é um poema mono rítmico, de rima sempre consoante, formado por uma quantidade variável de versos (que podiam ir até aos cem) todos construídos sobre o mesmo ritmo, selados com a mesma rima, divididos em duas partes iguais. Os filólogos árabes do séc.VIII dividiram os poemas em três partes: - Nasib Descreve a amada com abundantes metáforas, comparando-a com o meio natural que o rodeia cheio da perfeição absoluta An-Nabiga .

Rahil, é uma descrição da viagem que o poeta empreende, na qual menciona os muitos lugares, nomes de vales etc. Descreve os animais que habitam estes lugares, o tempo e o seu cavalo ou camelo. O exemplo do poeta Ibn Zuhayr, om que descreve a sua camela e a paisagem ardente por onde viaja.

Al-Mu'allaqat Em menos de duzentos anos cerca de cem poetas criaram uma herança válida até aos nossos dias. Dois ou três séculos depois da sua criação, os eruditos muçulmanos reuniram os poemas por eles elaborados. Circularam várias antologias, sendo a mais famosa a do recitador Hammad, conhecida como as Mu^allaqat. Numa pequena cidade chamada ^Ukaz reuniam-se todos os anos, numa enorme feira, todas as tribos da Península Arábica. Ali faziam e desfaziam alianças, comerciavam e contactavam uns com os outros, mas a grande atracção desta feira eram as convenções poéticas. Realizavam-se concursos em que poetas de toda a Arábia participavam para medir a sua habilidade poética e narrar as suas façanhas. Os temas apresentados eram variados como Nasib, Rahil, Rittha… Não importava o que se dizia mas sim como, a qasida era em si o objecto, não o meio. A palavra era a arma, muitas vezes mais forte do que a espada. Os versos dos poetas tanto podiam causar inimizades entre as tribos com celebrar alianças entre elas. O vencedor dos concursos poéticos recebia a sua qasida gravada em ouro sobre uma tela em pele e colocada em redor da Qaba, ao mesmo nível que um dos muitos ídolos lá colocados. 

Mas esta não é a única fonte que existe sobre a poesia árabe da época pré-islâmica. Existem várias colectâneas como al-Mufaddalat, “as preferidas”, que reúne a obra de seis poetas; As^ar al-^arab, a poesia dos árabes; um livro chamado Hamasa, que reúne a poesia épica do deserto; As^ar al-lusus, os poemas dos bandidos; Kitab al agani, o livros das canções. Todos eles constituem uma fonte muito importante sobre o mundo dos árabes da Yahiliyya, onde os poetas desempenham um papel de testemunhas e historiadores. Na lista dos grandes poetas (entre sete e dez) da era pré-islâmica cujos poemas estão recolhidos nas Mu^allaqat, “poemas suspensos”, o primeiro nome que se destaca é o de Imru’l-Qays. Este poeta, filho do rei de Kinda, foi na verdade um príncipe, apesar de toda a sua vida ter a marca da poesia. Outro vencedor de ^Ukaz foi Tarafa B. Al-^abd al-bakri, poeta desde muito jovem, era oriundo de uma família de poetas foi durante algum tempo protegido do rei de Hira. É o autor da Mu^allaqat mais longa, com 102 versos. Nela canta aos seus camelos e as suas orgias. Elogia o vinho e os prazeres da vida. O terceiro poeta na lista das Mu^allaqat é Zuhayr bin Abi Salma. Nascido numa família de poetas, ele é originário da tribo de Muzayna, que deu à antiguidade árabe três dos seus maiores poetas: Imru^l Kais, Al Nabiga al Zuiyani e o próprio Zuhayr. Os seus versos pautam-se por belas ideias que, apesar de ser um homem da Yahiiyya, reflectem os princípios do Islão. A poesia pré-islâmica era uma poesia formal em que a arte de discursar em versos não se aplica aos pensamentos mas sim às palavras. As palavras constituem o objecto principal, enquanto os pensamentos são simples acessórios”. Os árabes tinham uma língua rica e os poetas eram os senhores da arte de bem falar. Foi a esta época que os poetas posteriores foram buscar vocabulário e a forma da qasida (poema) que significa “dirigir-se a alguém” ou recitar.

A língua árabe espalhou-se em conjunto com o Islão, as novas cidades com as suas populações imigrantes e os governos dominados pelos Árabes, serviram de centros de maior expansão da língua. E, se em alguns locais teve maior dificuldade em implantar-se enquanto língua falada, no que diz respeito à escrita não encontrou fronteiras. Sob o poder dos Omeiadas a tradição poética continuou a florescer e os poetas mais famosos desse tempo continuam a ser os de origem beduína árabe. No período tardio dos Omeiadas e no início do califado Abássida deu-se uma grande mudança: enquanto meio de expressão, o arábico tornou-se vital para o trabalho, nomeadamente para os oficiais e administrativos Persas que vieram servir os novos governantes. Assim, o centro da actividade literária mudou-se dos oásis e acampamentos tribais para as novas cidades. Basra e Kufa desempenharam um papel fundamental a inicio e depois a nova capital, Bagdad. Apesar de a recitação ter continuado, os trabalhos literários começaram a ser escritos, o advento do Islã alterou o modo como as pessoas encaravam a língua árabe. A língua do Corão era a mesma em que a poesia antiga havia sido escrita e, para uma maior compreensão das revelações tornava-se necessário uma maior compreensão da linguagem. Desta forma, os filólogos, estrangeiros na sua maior parte, debruçaram-se sobre o estudo destas obras que se tornaram exemplos das normas da linguagem. E, mais importante do que os trabalhos teóricos, surgiu uma nova poesia, quer em temas quer em forma. O trabalho de homens como Abu Nuwas, de origem persa, que vem elogiar o vinho e o estado de embriaguês e louvar o amor erótico e Ziryab, que cria a nawba no Al-andalus são o reflexo disso mesmo.


Fonte: HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO......CAPITULO  X

               http://www.hottopos.com/videtur2/nasr.htm....ASPECTOS DA POESIA ÁRABE

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